Deisy Francis Mexidor
• UM show da televisão destapou a caixa de Pandora. No país mais rico do mundo há pobreza. E extrema. Os tent-cities ou cidades de barracas põem a descoberto o rosto oculto do sistema e erguem-se como triste símbolo de tempos de recessão e crise nos Estados Unidos.
O jornal mexicano El Universal assim o reflete: "Até há pouco, eram trabalhadores da classe média que moravam em casas com jardim, mas a recessão está empurrando milhares de famílias nos EUA ao inimaginável: viver em barracas, sótãos ou motéis rurais baratos".
"Em Sacramento, capital do estado da Califórnia e uma das zonas do país onde a crise imobiliária bateu com mais força, um acampamento para gente sem teto alberga já centenas de pessoas e cresce a um ritmo de uns 50 residentes diários", enfatizou outro jornal.
Entretanto, o The New York Times indicou: "Acampamentos de pobres e pessoas sem teto sempre fizeram parte das paisagens de megacidades, como Nova Iorque e Los Ángeles, mas atualmente aumentam a população e tornam-se comuns também em cidades menores. Seatle, Sacramento, Saint Petersburg, Nashville e Olimpia reproduzem essa realidade ao longo do país, mas é na localidade de Fresno, Califórnia, onde o fenômeno aumentou de proporção com maior rapidez nos últimos tempos".
Para Joel John Roberts, diretor de Path Partners, uma organização que ajuda desempregados, a situação é terrível. "Hoje, você vê um terreno livre e, na manhã seguinte, encontra centenas de famílias instaladas em barracas", assegurou.
Imagens tão difundidas como estas não eram vistas nos Estados Unidos desde a Grande Depressão de 1929, quando a crise revelou as misérias do império. Hoje, a história se repete. A debacle não caiu apenas acima dos executivos de Wall Street. O despejo, a crise hipotecária e o esgotamento das poupanças afeta milhões de lares norte-americanos e, na atual conjuntura, a gente que perdeu tudo faz o possível para colocar, ao menos, um teto acima de sua cabeça.
GRANDE SUL NO IMENSO NORTE
O Escritório Orçamentário do Congresso dos EUA admitiu que 28 milhões de norte-americanos estão usando os tíquetes-refeições porque não têm comida.
Ao mesmo tempo, um estudo do grupo National Coalition for Homeless (NCH) notificou que aproximadamente 3,5 milhões de estadunidenses experimentarão situações de indigência ao menos uma vez por ano numa dúzia de estados da União, tendência que, segundo a própria análise, vai se manter enquanto durar a recessão econômica.
Uma pesquisa do Centro Nacional para Famílias sem Lar, revelou por sua parte que ao redor de 1,5 milhão de crianças nos Estados Unidos, um em cada 50, carece de moradia, 42% delas, menores de seis anos. "Estes números crescerão à medida que as execuções de (embargos) casas continuem aumentando", disse Ellen Bassuk, sua presidenta, num comunicado.
A NCH instou a administração Obama a implementar um programa financeiro de quase US$10 bilhões para reforçar a rede de reabilitação social; contudo, o cenário é cada vez mais dramático, pois, ao complexo panorama social, se acrescentam também os novos pobres.
Jennifer Thompson, é testemunha. Até há pouco, esta mulher, de 45 anos, casada e com três filhos, vivia sem grandes sobressaltos, porém perdeu seu posto na sucursal da General Motors na Califórnia e então, tudo foi por água abaixo. Ela, que trabalhava na administração, na área que autoriza os cortes de pessoal, foi demitida. Atualmente, mora numa barraca.
Renee Hadley, 38 anos, residia em Seattle e, do dia para a noite, seu castelo sumiu. "Neste local não há nem água corrente nem eletricidade nem banheiros e os trens passam perto daqui, há um barulho ensurdecedor", contou sobre o que padece na barraca que levantou em Sacramento.
Para ela, os programas estatais apenas conseguem colocar "um band-aid em tudo" e se pergunta, em meio à angústia, "por que não nos dão emprego ou casa com um aluguel moderado? Os 90% dos que estamos nesta situação não queremos viver aqui. Isto começa na verdade a meter medo", comentou à AFP.
O prefeito de Sacramento, Kevin Johnson, reconheceu recentemente que, durante anos, tentaram "meter os sem-teto embaixo do tapete", mas "agora o problema é maior".
Talvez o pior ainda não aconteceu. O desemprego não se detém, cresce a ritmo acelerado e os planos de resgate do presidente Barack Obama — que pede tranquilidade e confiança em meio ao desespero de muitos — são como compressas de água morna para um doente grave. Será que o sonho americano sumiu? Enquanto isso, dorme numa barraca.