Marcio Santilli
sexta-feira, 9 de julho de 2010
Especialista rebate Aldo Rebelo e turma do agronegócio
Marcio Santilli
domingo, 16 de maio de 2010
“Não venha falar por nós, Kátia Abreu”
sexta-feira, 2 de abril de 2010
Via Campesina e Contag denunciam documento da CNA
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
Altamiro Borges desnuda a pesquisa paga pelos latifundiários contra o MST
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
CUTRALE na mira da PF
segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
Conheça os inimigos da Reforma Agrária
• Formada em psicologia.
• Presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), eleita em 2008 para três anos de mandato. Foi presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Tocantins (1995-2005).
• Dona de duas fazendas improdutivas que concentram 2.500 hectares de terras.
• Apresentou 23 projetos no Senado e apenas três foram aprovados, mas considerados sem relevância para o país, como a garantia de visita dos avós aos netos.
• Torrou 60% das verbas do seu gabinete com propaganda (R$ 155.307,37).
• É alvo de ação civil do Ministério Público na Justiça de Tocantins por descumprir o Código Florestal, desrespeitar povos indígenas e violar a Constituição.
• Integrante de quadrilha que tomou 105 mil hectares de 80 famílias de camponeses no município de Campos Lindos (TO). Ela e o irmão receberam 2,4 mil hectares com o golpe contra camponeses, em que pagaram menos de R$ 8 por hectare.
• Documentos internos da CNA apontam que a entidade bancou ilegalmente despesas da sua campanha ao Senado. A CNA pagou R$ 650 mil à agência de publicidade da campanha de Kátia Abreu.
VALDIR COLATTO / Deputado Federal (PMDB/SC)
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
Mídia ‘desconstrói’ MST na exata medida em que movimento ameaça Status Quo
terça-feira, 13 de outubro de 2009
Entenda o caso CUTRALE
Somando-se a isso, uma retórica completamente ideológica criminalizando este movimento social durante as reportagens da grande mídia.
Pronto: estava feito o estrago, de um lado, a empresa que emprega e produz para o país, de outro, os "baderneiros" do MST.
Antes de deixar aqui uma entrevista com o Economista João Pedro Stedile, enumero alguns FATOS:
- Os 2,5 mil hectares utilizados pela fazenda da empresa CUTRALE são terra ROUBADA de todos nós, a área pertence à união.Não entendo o porquê de, os defensores midiáticos dos "homens de bem" que "pagam impostos e são honestos", não denunciarem estes ladrões (grileiros de terra)
- A CUTRALE, empresa que se apoderou de terras da união para seu próprio lucro, detém 30% do suco de laranja no mundo, e sofre processos por formação de cartel.
- A CUTRALE sofre processos por despejar esgoto não tratado nos rios da região.
- Ao contrário do que se espalha, a união não doou as terras para a CUTRALE, o INCRA está brigando na justiça contra a empresa para recuperar as terras griladas.
- A CUTRALE é ré em processo por formação de cartel
- A CUTRALE é ré em processo por posse ilegal de armas de fogo.
- A Cetesb - Companhia Ambiental do Estado de São Paulo já multou a CUTRALE por emissão de fumaças tóxicas.
- A Cetesb - Companhia Ambiental do Estado de São Paulo já multou a CUTRALE por causar mortandade de peixes nos rios próximos às suas plantações
Agora, segue a entrevista com Stedile, retirada do site do MST:
"As famílias acampadas nos disseram que não roubaram nada, não depredaram nada. Depois da saída das familías, e antes da entrada da imprensa, o ambiente foi preparado para produzir imagens que impactaram a população. Propomos a constituição urgente de uma comissão independente que investigue a verdade", afirmou.
João Pedro também ressalta as diferenças entre o modelo de produção do agronegócio e da pequena agricultura: enquanto 98% do suco de laranja do país é exportado, o MST reitera seu compromisso com a produção de alimentos que cheguem à mesa do povo brasileiro.
Leia na íntegra as respostas da entrevista, concedida por e-mail ao jornal Folha de S. Paulo neste sábado (10/10) e publicada nesta segunda-feira (12/10).
Independente da situação legal da propriedade (o MST diz que é grilada), a ação em Iaras chama a atenção pela destruição deliberada de alimentos. Foi um erro destruir aqueles pés de laranja?
O fato de a área ser grilada, confirmado pelo Incra, não é algo secundário. Esse é o fato. Um dos princípios que o MST respeita é a autonomia das familias de nossa base tomar suas decisões, a partir das circunstâncias que vivem. As familias estão acampadas há mais de cinco anos. Entendemos a indignação daquelas familias. À distância, a população pode achar que derrubar pés de laranjas foi uma atitude desnecessária. A direita, por meio do serviço de inteligência da PM, soube utilizar as imagens contra a Reforma Agrária, se articulando com a Rede Globo para usá-las insistentemente. Nunca a Globo denunciou a grilagem, nem a superexploração que a Cutrale impõe aos agricultores.
Ao destruir alimentos, o MST não teme perder o apoio das camadas mais pobres da população, como das 12 milhões de famílias que dependem do Bolsa Família para comprar sua própria comida?
Cerca de 98% da produção de suco no pais é exportada. Esse suco não vai para a mesa dos pobres, com ou sem Bolsa Família. Já o nosso modelo para a agricultura brasileira quer assegurar a produção de alimentos, a geração de emprego e renda no meio rural. Queremos produzir comida e, inclusive, suco de laranja, para chegar à mesa de todo o povo brasileiro. Não para o mercado externo. Mesmo assim, a área de exploração da laranja diminiu em 400 mil hectares nesses dez anos, pela exploração que a Cutrale impõe aos agricultores.
O presidente Lula chamou a ação de "vandalismo". O movimento ainda o enxerga como um aliado dos trabalhadores sem terra?
Nós também condenamos todos os vandalismos. Usar 713 milhões de litros de venenos agricolas por ano, que degradam o meio ambiente, envenenam as águas e os alimentos tambem é um vandalismo. Nesse caso, o presidente está mal informado. Pois as famílias acampadas nos disseram que não roubaram nada, não depredaram nada. Depois da saída das familías, e antes da entrada da imprensa, o ambiente foi preparado para produzir imagens que impactaram a população. Propomos a constituição urgente de uma comissão independente que investigue a verdade.
É correto hoje dizer que a conjuntura nacional, principalmente de estabilidade econômica e de assistência oficial aos milhões de pobres do país, é desfavorável ao MST?
Os dados do censo agropecuário do IBGE revelam que menos de 15 mil latifundiários são donos de mais de 98 milhões de hectares. Cerca de 30% dos moradores do meio rural não sabem ler e escrever! E 80% não terminou o ensino fundamental. A renda média dos assalariados do campo é menos do que um salário mínimo. Diante dessa realidade, reafirmamos que é fundamental democratizar a propriedade da terra, como manda a Constituição, e mudar o modelo agrícola, para priorizar a produção de alimentos sadios - em equilíbrio com o ambiente e sem agrotóxicos - para o mercado interno. Os que acham que a Reforma Agrária não é mais necessária estão completamente alheios aos problemas e aos interesses do povo brasileiro.
Essa conjuntura deixa o MST sem foco?
Ao contrário. Nunca antes na conjuntura brasileira foram tão necessárias essas mudanças. Os grandes proprietários de terra se misturaram com o grande capital financeiro. Bancos e empresas transnacionais controlam a agricultura. E quando ocupamos uma terra para pressionar a aplicação da Reforma Agrária, enfrentamos todo esse mundão de interesses. O Brasil precisa de um projeto popular de desenvolvimento voltado para o povo, que de fato combata as causas estruturais da desigualdade social e garanta o acesso à terra, educaçao, moradia e saúde a todos os brasileiros, e nao apenas a uma minoria. E essa é a bandeira do MST.
Algum nome colocado para as eleições de 2010 anima o movimento? Dilma? Marina?
O MST sempre preservou sua autonomia. Nossos militantes participam das eleições como qualquer cidadão brasileiro. Infelizmente, cada vez que chega o periodo eleitoral, a direita se assanha para enquadrar as candidaturas contra o MST e a Reforma Agrária. Esse pedido de CPI tem apenas motivaçao eleitorial. O Roberto Caiado [líder do DEM na Câmara e fundados da UDR] confessou que o objetivo da CPI é provar que o governo repassa dinheiro para o MST fazer campanha para a Dilma. Essa afirmação no mínimo é ridicula para qualquer sujeito bem informado, se não viesse de uma mente improdutiva como todo latifúndio.
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
São Gabriel: Polícia comete ilegalidade e deixa acampados sem comida
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
Latifundiário ou Sem Terra: um dos dois tem que perder

Ao longo dessa semana, o MST realizou marchas, atos, ocupações - de propriedades rurais e de prédios públicos - em diversos Estados para cobrar do governo federal medidas concretas para a realização da Reforma Agrária.
As principais reivindicações dos Sem Terra são o assentamento imediato de 90 mil famílias acampadas há mais de quatro anos pelo país; a atualização dos índices de produtividade da terra, que servem de parâmetro para classificar as propriedades rurais improdutivas, inalterados desde 1975; e o descontigenciamento de R$ 800 milhões retidos do orçamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) por conta da crise econômica.
Principal liderança do MST, o gaúcho João Pedro Stedile concedeu entrevista ao UOL Notícias (em 14/08/09), na qual falou sobre a questão agrária no Brasil, as eleições presidenciais de 2010, o governo Lula, a crise no Senado, além de fazer um balanço dos 25 anos do movimento.
Sob o ponto de vista dos Sem Terra, a situação agrária no Brasil evoluiu ou continua praticamente igual a de 1996, quando houve o massacre de Eldorado dos Carajás e o movimento ganhou projeção?
Há aspectos que melhoraram muito, como, por exemplo, a criação do programa Luz Para Todos, que praticamente universalizou o acesso à energia elétrica. Há outros aspectos que pioraram, como as condições de trabalho, as relações trabalhistas, a existência de trabalho escravo. Melhorou o nível de violência dos conflitos. Antigamente havia muito mais assassinatos, os fazendeiros eram mais prepotentes, queriam resolver tudo no tiro. Isso não significa que nós deixamos de ser reprimidos, mas agora a repressão é judiciária. É mais uma perseguição política ao MST e às suas lideranças. Do ponto de vista da organização da produção, eu acho que a situação piorou. Ainda somos reféns de 15 anos de neoliberalismo, que conseguiu impor ao Brasil esse modelo do agronegócio. Isso é um desastre para os nossos recursos naturais, para o meio ambiente, para a produção de alimentos. Recentemente a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou uma pesquisa não recomendando o consumo de 20 produtos e não aconteceu nada. Se fossemos uma sociedade mais organizada, o consumo desses produtos seria proibido. Mas é preciso criar condições para produzir alimentos saudáveis. E isso só em um outro modelo agrícola, baseado na agroecologia, na pluricultura. Hoje, a pequena agricultura perdeu espaço e as empresas transnacionais tomaram conta. Em cada segmento da produção agrícola, a produção se concentrou de tal maneira que nós temos quatro ou cinco empresas transnacionais controlando tudo. Nós regredimos do ponto de vista da soberania alimentar e do controle da nossa agricultura.
Em 25 anos, no que o MST evoluiu, no que regrediu, o que precisa mudar, quais são as maiores dificuldades que vocês enfrentam e quais os desafios?
Evoluímos em muitos aspectos internos. Em convênio com o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), já formamos mais de 3.000 filhos de camponeses em cursos superiores. Temos atualmente mais de 3.500 frequentando universidades e mais de 300 companheiros fazendo pós-graduação, mestrado e doutorado. Isso é um avanço para a nossa organização, porque nos demos conta de que o conhecimento é fundamental para você construir uma sociedade democrática e, sobretudo, para resolver os problemas concretos. O MST investiu muito na educação da sua militância e da sua base. O que é uma novidade. Porque não havia essa tradição nos movimentos camponeses nem no Brasil, nem no mundo. Nós avançamos muito e digo isso com uma autocrítica porque há seis, dez anos atrás nós não dávamos bola para a agroecologia, achávamos que era coisa de ambientalista. Quando começamos perceber a gravidade da produção agrícola, as consequências dos agrotóxicos, do monocultivo, é que fizemos uma autocrítica e adotamos a agroecologia. Avançamos também no sentido de valorizar a cultura camponesa. O MST hoje tem vários pontos de cultura, estimulamos o teatro, fizemos convênios com o Teatro do Oprimido, do [Augusto] Boal, com o Ministério da Cultura, passamos filmes no interior...
E os desafios?
Os desafios ainda são enormes. Hoje não se trata mais de descobrir qual é o latifundiário atrasado e ocupar a fazenda dele. O latifúndio se modernizou porque se vinculou às empresas multinacionais e adotou o agronegócio. Vamos pegar o exemplo do banco Opportunity. O Daniel Dantas comprou 600 mil hectares no Pará, em 52 fazendas, onde ele cria mais de 450 mil bois. Para que um banco precisa de terra? Quando nós começamos a ocupar essas fazendas, nós enfrentamos um banco que, segundo relatório da Polícia Federal, é testa de ferro do Citigroup. Então, quando se ocupa uma fazenda do Dantas, não é só de um fazendeiro atrasado do Pará. Se enfrenta o capital financeiro instalado na avenida Paulista (em São Paulo). E eles têm tentáculos nos meios de comunicação, como a Isto É, [que] é do Dantas, do banco Opportunity. Então, a Isto É, na outra semana após a ocupação, na capa, nos chama de bandidos, terroristas etc (em 2007, foi noticiado que o grupo de Dantas iria adquirir 51% do capital da Editora Três, proprietária da Isto É, mas a negociação não se concretizou por desistência da editora; o UOL Notícias procurou a empresa que, por meio da sua secretaria jurídica, afirmou que o grupo de Dantas não possui qualquer participação no seu capital e questionou o porquê de Stédile ter se referido ao banqueiro). Em São Paulo, antigamente nós ocupávamos uma área de pecuária extensiva, no Pontal [do Paranapanema]. Hoje, as melhores áreas produtivas se transformaram em monocultivo da cana. E de quem é a maior fazenda de cana aqui em São Paulo com 100 mil hectares? Da usina comprada pela Cargill. Então, quando nós vamos lá nos manifestar contra o monocultivo da cana, estamos enfrentando a Cargill, que é o maior grupo mundial de grãos. Essa é a mudança na correlação de forças que prejudicou muito os camponeses. E daí vem a necessidade de fazer uma Reforma Agrária não mais só ocupando a terra, mas com a mudança de modelo econômico.
Eu gostaria que o senhor comentasse a política agrária dos dois últimos governos do Estado São Paulo, de José Serra e Geraldo Alckmin (ambos do PSDB)?
A minha atuação é mais em nível nacional. Embora eu more aqui em São Paulo, não acompanho as questões mais relativas aos Estado. São outros companheiros que acompanham isso. Pelo o que sei, os dois governos foram apenas apoio ao processo de expansão do agronegócio, sobretudo da expansão do monocultivo da cana, que é lamentável. Nós esperamos que algum dia eles se deem conta que temos que urgentemente mudar o modelo agrícola, até porque o modelo do monocultivo da cana traz conseqüências graves no equilíbrio climático e afeta as populações das cidades. Na região de Ribeirão Preto, que hoje já virou monopólio da cana, tem pesquisas da USP (Universidade de São Paulo) que [mostram que] nos últimos 20 anos a temperatura aumentou 2ºC na média. A prefeitura de Ribeirão já tem problemas porque ela capta água do lençol freático do aquífero Guarani para abastecer a população. A cada ano eles têm que aprofundar ainda mais a captação porque o monocultivo da cana suga muita água. Então falta abastecimento de água para a população por causa do modelo agrícola. Isso é de responsabilidade do governo estadual. Então, faço até como um apelo para que o governo de SP fique mais alerta sobre as consequências que o atual modelo agrícola traz para a população em geral.
O que o senhor pensa da crise do Senado?
A crise do Senado é o espelho mais verdadeiro possível da forma como a classe dominante brasileira trata os bens públicos e a democracia. Eles são o espelho disso. Eles tratam as coisas públicas como se fossem propriedade privada e tratam a opinião pública com escárnio. Por isso, eu acho que a melhor solução para o Senado é aquela que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) já está defendendo, que na próxima Constituinte nós eliminemos o Senado da sociedade brasileira. Nossa sociedade não precisa do Senado. Basta uma Câmara dos Deputados. E ainda mais representativa, com, em vez de 500 deputados, mil. Na Câmara também tem que haver uma proporcionalidade [de deputados] mais adequada. O voto daquele que mora no Acre ou no Amazonas vale 20 vezes mais do que o voto de um cara que vota em São Paulo. Isso é uma distorção na democracia, na qual cada pessoa representa um voto. E essas questões que envolvem a federação dos Estados poderiam ser resolvidas em um conselho da República, que não precisasse de tanto dinheiro. Quem pode imaginar que o Senado gasta hoje R$ 2 bilhões por ano? Isso não tem necessidade nenhuma. Porém, mais do que isso, é preciso fortalecer outros mecanismos da democracia brasileira, que certamente não passam pelo Senado.
É possível pensar em um projeto de esquerda para o Brasil, ou vislumbrar uma sociedade mais justa e igualitária, por meio das instituições democráticas que temos hoje?
Claro. Há um debate na sociedade que se aglutina em quatro campos: alguns setores das elites, das classes dominantes, defendem a subordinação total do Brasil ao capital internacional. Aí estão os 5% mais ricos, as empresas transnacionais, os bancos, que são os que defendem políticas neoliberais e que, nos partidos, tem sua expressão, sobretudo, entre os tucanos e entre o DEM; temos um setor nacionalista, que está presente em todos os partidos, que defende um projeto "neo-keynesiano" para o Brasil, com algumas políticas de distribuição de renda, redução da taxa de juros e fortalecimento do mercado interno; há outros setores da esquerda brasileira, mais radicais, como correntes do PSOL e do PSTU, que defendem o "socialismo já". Eles acreditam que o capitalismo já chegou a sua maioridade aqui no Brasil e que não há outra saída sem o socialismo. Só que a palavra socialismo é muito forte. Significa socialização da propriedade dos meios de produção. Não é apenas você ser socialista no sentido humanista, ser socialista por querer uma sociedade mais justa; nós, dos movimentos sociais, defendemos um quarto projeto, que chamamos de projeto popular, que é, nos marcos da nossa sociedade, fortalecermos de fato o Estado para que ele adote uma política econômica que leve ao desenvolvimento do país em benefício do povo. Quais são os problemas fundamentais do povo no Brasil? Desemprego alto, falta de moradia, necessidade de Reforma Agrária e ausência de educação. Então, [nós defendemos] um programa para a sociedade que coloque o dinheiro público como prioridade para resolver os problemas do povo. Mas não basta colocar no papel "esse é o nosso projeto". É preciso construir, acumular forças populares que atuem para a implementação desse projeto.
Esse projeto popular é um caminho para uma sociedade socialista?
Ele é fundamental. Ele seria uma espécie de transição para nós construirmos uma sociedade mais igualitária. Primeiro vamos resolver os problemas fundamentais da população. Que é comida, trabalho, moradia e educação. Depois, podemos avançar para a socialização de outros meios de produção da nossa sociedade.
Qual é o modelo de Reforma Agrária defendido hoje pelo MST?
Na história das Reformas Agrárias, há dois tipos clássicos. Primeiro, a Reforma Agrária capitalista, que todos os países do hemisfério norte fizeram entre a metade do século 19 e ao longo do século 20 até a Segunda Guerra Mundial. E eles fizeram as Reformas Agrárias clássicas capitalistas, distribuindo a propriedade da terra para fortalecer o mercado interno e desenvolver a indústria nacional. Depois houve uma outra Reforma Agrária clássica, que aconteceu no bojo de Revoluções Socialistas, ou de Revoluções Populares, como no Vietnã, China, Rússia, Nicarágua e Cuba. Qual é a realidade hoje no Brasil? Nós tentamos desde o início do movimento defender uma Reforma Agrária clássica capitalista, mas não há forças acumuladas burguesas que queiram essa reforma. Por isso que o governo não faz Reforma Agrária. Quem fez as reformas agrárias capitalistas? Foram as burguesias industriais, que queriam desenvolver o mercado interno e a indústria. Também seria uma ilusão achar que a solução seria uma Reforma Agrária socialista, porque essa reforma só acontece depois de uma revolução. Ela é casada com um processo revolucionário, que não é o que temos hoje no Brasil. O que nós propomos é uma Reforma Agrária que chamamos de popular, que se diferencia das duas. Nessa reforma não basta distribuir terra, como na reforma capitalista. É necessário também desenvolver agroindústrias na forma cooperativa, criar pequenas agroindústrias nos assentamentos. Assim, o agricultor sai mais rápido da pobreza, porque daí ele não vai só produzir matéria prima, mas também se apropriar do valor agregado dos produtos e gerar emprego no meio rural.
Na quarta-feira (12/8), houve uma reunião entre representantes do sem-terra e dos ministérios, na qual o governo afirmou desconhecer a pauta de reivindicações do MST, muitas delas já apresentadas ao presidente Lula em 2005. O senhor acha que o governo Lula é realmente melhor para os Sem Terra ou é apenas aparência?
Na audiência havia cinco ministérios. Evidentemente que nem o Palácio do Planalto, e muito menos o ministro da Reforma Agrária (Guilherme Cassel, ministro do Desenvolvimento Agrário), disseram que desconheciam a pauta. Quem disse que desconhecia foi o ministério da Fazenda e do Planejamento, porque não é a área deles. Agora, o ponto mais negativo da conversa não foi isso. O ponto mais negativo é que o Ministério da Fazenda abriu o jogo, disse que a crise é grave, que a arrecadação diminuiu entre 30 e 50% nesse primeiro semestre e que o governo tem dificuldades de recompor o orçamento do Incra, porque eles cortaram pela metade o orçamento de R$ 958 milhões destinado a obtenção de terras. Então, nossa reivindicação principal agora é que o governo, como um todo, determine que o Ministério da Fazenda recomponha o orçamento do Incra. Eu ouvi pessoalmente o ministro Paulo Bernardo (Planejamento) se comprometendo que não haveria cortes nos orçamentos relativos à pequena agricultura. Portanto, temos o compromisso da palavra dele e do presidente Lula de que não haveria cortes sociais. Por isso insistimos que o presidente enquadre o Ministério da Fazenda e mande repor o orçamento do Incra, até porque está na lei orçamentária aprovada no Congresso. Não estamos pedindo nada a mais do que cumprir a lei e não acreditamos que não tenha dinheiro no Ministério da Fazenda. Porque para outros setores da sociedade, como indústria automobilística, desoneraram o IPI - o que representou um custo de cerca de 20 bilhões -, desoneraram o depósito à vista dos bancos, o que representou R$ 80 bilhões dos cofres dos bancos. Portanto nós não estamos convencidos de que [o governo] não tenha dinheiro. O que não tem é dinheiro para a reforma agrária e para a pequena agricultura.
Qual o balanço que o senhor faz dos dois mandatos de Lula com relação a questões sociais e agrárias?
O governo Lula, como ele mesmo gosta de comparar, é muito parecido com o do Getúlio Vargas. É um governo de composição de classes. Ao longo desses sete anos, ele adotou uma política que agradou gregos e troianos. Ou seja, ele, com sua política econômica, beneficiou os banqueiros, os grandes grupos transnacionais, e, ao mesmo tempo, fez políticas de assistência social, como o Bolsa Família, Prouni, [promoveu] a valorização do salário mínimo, aumentou os recursos para o Pronaf, o que atendeu a uma parcela mais pobre da sociedade brasileira. Agora, em relação à Reforma Agrária e à pequena agricultura, o governo Lula está em dívida. Porque na Reforma Agrária não tem como você compactuar latifundiário com sem-terra. Um dos dois tem que perder. E, infelizmente, o número de desapropriações de fazendas, em especial na região Nordeste e nas regiões Sudeste e Sul, que são as regiões mais agrícolas, as desapropriações foram menores do que no governo Fernando Henrique Cardoso. O atual governo repetiu uma tática que o Jugmann (Raul Jungmann, ministro extraordinário da Reforma Agrária no governo Fernando Henrique) fazia: para manter as estatísticas, fizeram projetos de colonização na Amazônia. Pegaram terras públicas e distribuíram, e com isso mantiveram as estatísticas. Mas, na verdade, o que vem acontecendo no Brasil nos últimos 10 anos é que há um violento processo de concentração da propriedade da terra. Ou seja, é um movimento contra a Reforma Agrária. Em vez de nós estarmos democratizando a propriedade da terra, dando acesso a mais gente e criando mais oportunidade de trabalho para que as pessoas não venham para a cidade, nesses últimos anos nós sofremos um processo de concentração, justamente por essa ineficácia do governo Lula em desapropriar fazendas nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul.
O MST é criticado por setores da esquerda e da opinião pública por suposto abrandamento das ações e da postura durante o governo Lula. O que o senhor pensa disso?
Isso é uma manipulação ideológica. Tanto pela direita, quanto pela esquerda. Porque se você pegar as estatísticas, nós nunca fizemos tantas ocupações quanto agora, então setores da esquerda, tipo Conlutas (Coordenação Nacional de Lutas) e o PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), dizem que nós ficamos chapa branca e o editoral do Estadão diz que por causa do governo Lula nós viramos sem-lei. Então, claro, cada um interpreta da sua maneira, mas nós estamos com a consciência tranquila, o nosso papel é ser um movimento que faz luta social, e a luta social nós aumentamos, e ao mesmo tempo nós temos autonomia do governo. Desafio alguém dizer que o MST segue as orientações do PT, PCdoB, ou de qualquer outro partido, do PSOL, desafio alguém a provar que o MST é refém das medidas do governo. Tanto que nessa semana acabamos de ocupar o Ministério da Fazenda e neste momento estamos com manifestações em 12 Estados, vários Incras ocupados, porque nós queremos que se resolvam os problemas concretos do povo.
Se o nosso objetivo fosse ter apenas indices de popularidade para a opinião pública nós tínhamos fundado uma banda de rock.
Recentemente o senhor afirmou que a Dilma Rousseff é ignorante em questões rurais. Por quê?
A formação técnica dela é na área de energia. Ela é uma economista tipicamente urbana. Eu acho que ela está preparada para essas questões mais amplas. E quando eu me referi a isso, foi num debate no Incra justamente no dia em que o governo cortou 48% do orçamento para a reforma agrária. E eu disse, como uma reação natural, de que um governo, em uma crise dessa, que toma uma decisão que corta 48% da verba para a reforma agrária, é um governo ignorante, que não sabe que a reforma agrária poderia ser um dos principais instrumentos, e mais baratos, para conter a crise no meio rural. Essa crise que afetou a produção de soja, algodão e milho, diminuiu o preço das commodities, diminuiu a taxa de lucro dos fazendeiros, e quem pagou a conta foram os trabalhadores assalariados rurais. Cerca de 300 mil trabalhadores perderam o trabalho. Para onde eles foram? Para a cidade. Alguns já moravam na periferia das cidades. E foram fazer bico. Ora, se o governo quer arrefecer as consequências da crise no meio rural, ele poderia imediatamente acelerar, aumentar até o orçamento da reforma agrária para dar terra a esses 300 mil trabalhadores que ficaram sem emprego no campo.
Nessa mesma época, segundo notícias veiculadas na imprensa, a Casa Civil e o Planalto teriam buscado se aproximar dos movimentos sociais por conta de uma possível candidatura da Dilma. Houve essa aproximação?
Nós percebemos que o Partido dos Trabalhadores (PT), do qual ela é filiada, multiplicou reuniões de consulta aos movimentos, como partido, não como candidatura. Assim como outros [partidos]. Nós, MST, como somos um movimento social que zela pela autonomia em relação ao governo, ao Estado, aos partidos e à religião, estamos muito à vontade, porque nós conversamos com todos os partidos. Conversamos com PDT - eu mesmo sou muito amigo do senador Cristovam Buarque (PDT-DF) -, com o PCB, PCdoB, e PMDB. Nós temos ótimas relações com o governador [Roberto] Requião no Paraná. Conversar e ter diálogo faz parte da democracia. Não significa se subordinar. E essa é a política do MST e que os movimentos sociais em geral vão adotar. De diálogo, conversações, sem subordinação.
Entre Dilma e Lula, quem busca mais diálogo com os movimentos e qual dos dois é mais alinhado ao agronegócio?
Isso são questões mais pessoais. Evidentemente que o presidente Lula tem uma história mais vinculada. Ele é fruto do reascenso do movimento de massas, que houve de 1978 até 1990. E por isso que se construiu todo esse carisma em torno da sua pessoa, o que a Dilma não tem. É claro que ele tem mais projeção entre movimentos sociais e entre os pobres do campo. Agora, a relação do governo com o agronegócio não depende de carisma pessoal, de comportamento pessoal, nem de conhecimento. A relação com o agronegócio vai depender de como vai evoluir a luta de classes no Brasil. Eu acredito que nos próximos anos nós precisamos e teremos um grande debate na sociedade brasileira em torno de um novo modelo de produção de alimentos e de agricultura. Porque o modelo do agronegócio está falido. É um modelo que só interessa a empresas transnacionais e a exportações. E, cobra como fatura do povo brasileiro, uma degradação ambiental. Não é à toa que o Brasil se tornou o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Na safra passada, jogamos 713 milhões de toneladas de veneno sobre o nosso solo, a nossa água e os nossos alimentos. O agronegócio é o modelo de produção que expulsa mão-de-obra porque adota a mecanização intensiva. Então não há lugar para camponeses e para os pobres nesse modelo. O resultado de tudo isso é que pode até aumentar as exportações, mas pro mercado interno aumenta cada vez mais a produção de alimentos contaminados. Então, eu acredito que a população da cidade, que é quem está comendo esses alimentos contaminados, quem está sentindo um aumento do câncer, e está sentindo na pele a conseqüência desse processo, assim como os ambientalistas, serão os aliados do MST para nós mudarmos o modelo agrícola e fortalecemos outro modelo baseado na Reforma Agrária e na agricultura familiar.
Já que o senhor falou dos ambientalistas, a senadora Marina Silva pode se desfiliar do PT e concorrer à presidência pelo PV. O que o senhor pensa disso?
Eu vou te dar uma opinião pessoal porque o fato é muito recente e nós não conversamos nos coletivos do MST. Pessoalmente eu vejo com muito bons olhos, com muita simpatia. Porque nós vivemos em uma sociedade democrática e quanto mais candidatos a presidente houver, melhor. Porque isso gera debate na sociedade. E um dos problemas que nós temos daqui até 2010 é a necessidade de debater projetos para sociedade. Não basta apenas debater candidaturas e partidos. E o pior dos cenários que nós podemos ter para a democracia brasileira e para o projeto de sociedade é se nós chegarmos a uma conjuntura eleitoral de que a decisão se defina apenas entre Dilma e Serra no primeiro turno. Por isso, pessoalmente, mesmo sendo filiado ao PT, vejo com muita simpatia que haja outras candidaturas porque isso vai oxigenar a política brasileira e obrigar a se fazer um debate não de nomes, mas sim de projetos. Então, uma candidatura da Marina vai trazer para o debate um projeto que ela defende. Com o enfoque muito maior à sustentabilidade do meio ambiente, à produção de alimentos sadios, à preservação da Amazônia, que é a região dela, e isso que é importante, é debater. O número de votos é o de menos.
Temos a chance de ter três mulheres disputando a eleição com possibilidade de alcançar grande eleitorado: Heloísa Helena pelo PSOL, Dilma pelo PT, e possivelmente a Marina Silva pelo PV. Considerando a história de cada uma, o senhor estaria mais inclinado a apoiar qual em uma eleição?
Eu acho que o problema não é em quem votar. Eu acho que nós, como movimento social e como militantes, devemos estimular sempre o debate político. O debate de projetos. Então vamos esperar. Não é só julgar as pessoas e as suas biografias. Se nós ficássemos julgando a biografia dos parlamentares, 70% deles não deveria estar no Congresso. No entanto o povo vota neles. Então, eu prefiro defender a idéia de que tenham mais candidatas e candidatos e que nós aproveitemos bem essa pluralidade de idéias para daqui até outubro de 2010 nós dedicarmos o máximo de tempo para debater projetos.
Fonte: MST e UOL Notícias
domingo, 24 de maio de 2009
Entenda os conflitos pela terra no Pará
O panorama dos conflitos no Pará
Violência de milícias privadas, morosidade na realização da reforma agrária, favorecimento da elite latifundiária, criminalização e manipulação dos grandes meios de comunicação e complacência do poder público com a violência. Todos esses clássicos e tristes elementos da luta pela reforma agrária no país estiveram presentes nos últimos capítulos da tentativa de massacre de acampados do MST no Pará. No dia 18 de abril, oito trabalhadores foram pegos em uma emboscada por milícias armadas da fazenda Espírito Santo, pertencente à empresa Agropecuária Santa Bárbara que, por sua vez, pertence ao grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas. Dois foram gravemente feridos, mas passam bem.
O MST denuncia que há quatro anos o grupo vem comprando terras griladas. Em entrevista, Charles Trocate, integrante da coordenação nacional do movimento, no Pará, comenta a disputa de interesses no Estado: de um lado, o projeto popular, que defende a reforma agrária e a soberania sobre os recursos naturais. De outro, a exploração – nada sustentável – desses recursos por grandes grupos econômicos.
Trocate também comenta a recente tentativa de massacre, vendida pela imprensa corporativa como uma ação provocada pelos sem-terra. A versão foi desmentida pelo próprio repórter da TV Liberal, afiliada da TV Globo no Estado, Victor Haor. Ele prestou depoimento à polícia dia 27 de abril e negou que os jornalistas tenham sido usados como escudo humano ou mantidos reféns pelos trabalhadores, desmentindo a própria empresa para quem trabalha.
Quando e por que o MST começou a ocupar as fazendas do grupo Santa Bárbara?
Nos últimos quatro anos, a agropecuária Santa Bárbara comprou aproximadamente 800 mil hectares de terras. São 52 fazendas em 11 municípios do sul e sudeste do Pará, onde criam meio milhão de cabeças de gado; dizem eles que é o maior projeto de criação de gado do mundo. O problema é que essas terras são públicas, portanto, foram griladas; o verdadeiro dono é o Estado do Pará, quando não a União. Aí há dois fatores: primeiro que, independentemente de ser ligada ao Daniel Dantas ou não, é latifúndio e é da natureza do MST fazer enfrentamento ao latifúndio. Segundo, houve nesses quatro anos uma reconcentração fundiária e da exploração dos recursos naturais. E já está provado que o modelo econômico baseado na mineração e na grande fazenda é incapaz de resolver os problemas sociais que a região vive. Logo, nossa postura foi começar um grande mutirão de ocupações dessas terras, em especial da agropecuária Santa Bárbara, pois simboliza a concentração fundiária, além de que são terras reconhecidamente públicas. Esse mutirão começou pela fazenda Maria Bonita, a 22 quilômetros do município de Eldorado de Carajás, em julho do ano passado; no dia 28 de fevereiro de 2009 ocupamos a fazenda Espírito Santo e no dia 1º de março ocupamos a fazenda Cedro, todas pertencentes ao Dantas.
Em relação ao episódio da jornada de abril, na fazenda Espírito Santo, o que de fato aconteceu?
Desde a ocupação da fazenda Maria Bonita, em 25 de julho de 2008, tivemos três reuniões com o Instituto de Terras do Pará [Iterpa] e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária [Incra]. Pedimos as vistorias, mas todas as tentativas que o MST e esses órgãos fizeram não foram aceitas pelo grupo Santa Bárbara, portanto, continua esse impasse. Por meio de seus advogados a empresa agropecuária vem afirmando que vai até o fim para tirar os trabalhadores dos acampamentos, “dentro dos limites do Estado de Direito”, dizem.
O agravante foi uma reunião, no dia 6 de abril, em Marabá [PA], convocada pela subcomissão mista de agricultura, presidida pela senadora e presidente da Confederação Nacional da Agricultura [CNA] Kátia Abreu [DEM-TO] e com a presença de parlamentares, como o deputado estadual Asdrúbal Bentes [PMDB], Giovani Queiróz [PDT-PA] e o senador Flexa Ribeiro [PSDB-PA]. Eles criticaram a morosidade do Estado em cumprir as liminares de reintegração de posse e, evocando a violência de classe, afirmaram que, se elas não fossem agilizadas, os fazendeiros e proprietários deveriam se armar, constituir milícias e desocupar pela força as fazendas e que eles fariam a defesa dos fazendeiros.
Mais de 500 grandes fazendeiros da região estiveram nessa reunião. No dia 18 de abril, começaram a executar esse plano e para isso construíram uma grande cilada. Então, isso faz parte da filosofia que está se estruturando no sul e sudeste do Pará: eles reivindicam a força policial do Estado para o despejo e, diante da negativa, colocam em marcha uma ofensiva armada.
De janeiro para cá, foram 21 ocupações coordenadas pelo MST, Federação dos Trabalhadores da Agricultura [Fetagri] e Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar [Fetraf] e outros grupos espontâneos [os posseiros]. Isso ocorre porque a grave crise social, econômica e ambiental que vive a região não se resolve nem com o modelo agrário baseado no latifúndio e nem o modelo mineral da Vale. A única saída é a reforma agrária. Do nosso ponto de vista, há uma tendência de agudização da tensão social, pois de um lado está a defesa de um modelo que inviabiliza a sociedade e, do outro lado, os trabalhadores que buscam outras saídas.
E como se deu o ataque das milícias?
Na jornada de abril, decidimos concentrar forças em duas atividades. Uma na “curva do S” [onde ocorreu o Massacre de Eldorado do Carajás] e outra na capital. Em momento algum decidimos ocupar latifúndios ou sedes de fazendas. Nossa avaliação é que havia uma pretensão por parte da Santa Bárbara, uma espécie de plano para criar um fato que pressionasse o Estado a fazer o despejo. Isso porque a juíza de Marabá declarou que pediria a reintegração de posse, mas que não havia nenhuma excepcionalidade no caso e que havia uma fila de outras 43 reintegrações para fazer antes.
Então, eles tentaram criar uma situação em que a única saída fosse o despejo das famílias. Dessa forma, o plano foi bem montado: alugaram um avião em Belém, em nome do grupo Santa Bárbara, convocaram os jornalistas da região e desceram na pista da própria fazenda. Ali emboscaram os trabalhadores, que recuaram. Um deles, porém, ficou nas mãos dos seguranças da fazenda. Os outros foram pedir ajuda aos acampamentos vizinhos e decidiram ir buscar o trabalhador que estava preso pelos seguranças. Foi aí que houve o ataque.
Houve, então, uma tentativa de massacre? Como está o estado de saúde dos sem terra atingidos?
Nossa constatação é que as milícias e jagunços tinham ordem de executar um massacre. Quando os trabalhadores se deram conta que os seguranças estavam com armamento pesado e atirando, recuaram e oito ainda se feriram, dois ficaram em estado grave. Um companheiro levou um tiro na barriga que perfurou o pulmão e o baço; uma outra bala ficou alojada no coração. Passou por cirurgia e está se recuperando. Outro companheiro, de aproximadamente 60 anos, levou dois tiros na boca, um na barriga, um na coxa e outro na canela. Também já está se recuperando. Os outros foram atingidos por estilhaços e passam bem, estão em seus acampamentos e assentamentos já.
No depoimento que deu a polícia, o jornalista da afiliada da TV Globo desmentiu a versão dada pela própria emissora. Como você avalia a cobertura da grande imprensa sobre o ocorrido?
O discurso da imprensa – a TV Liberal, Diário do Pará e outros –, a partir desse fato, é de que os trabalhadores teriam provocado o conflito e colocado sob cárcere privado todos os jornalistas. Agora, porém, já está claro que houve uma tentativa de criminalizar, com apoio da grande imprensa, o acampamento e o MST. O depoimento do jornalista mostra que foi produzido um fato que não existiu para criminalizar o MST a nível nacional, tirando a credibilidade da ação dos trabalhadores.
Mais uma vez fica clara a tentativa de criminalização, pela grande imprensa, das nossas ações, para desqualificar a própria reivindicação da reforma agrária. Foi a empresa de segurança que manteve três trabalhadores em cárcere privado. Tivemos que fazer uma retirada do local para que mais trabalhadores não fossem atingidos pela chuva de balas, como íamos manter jornalistas, gerente e seguranças presos? É uma grande mentira nacionalizada pelos meios de comunicação para provocar uma reação contrária aos apoiadores da reforma agrária.
O Pará é o Estado com maior índice de violência do país. Como isso se relaciona com o modelo de desenvolvimento adotado para a região?
O Pará é um Estado de barbárie social. Dos 7 milhões de habitantes, 4 vivem abaixo da linha da pobreza. Como se explica que uma área tão rica em recursos naturais possa produzir uma desigualdade dessas? Isso explica a natureza do conflito. Hoje, o modelo de desenvolvimento econômico lá atua em uma grandes frentes. A da agropecuária, que utiliza a terra para criação de gado. Há o triplo de cabeça de gado em relação ao número de habitantes. Há a frente da madeira, responsável por boa parte dos desmatamentos; a frente mineral, que gera uma massa de trabalhadores atingidos por projetos nessa área, desalojando trabalhadores assentados, indígenas e quilombolas. Há ainda a frente da biodiversidade, com os que se apropriam das riquezas natureza da floresta.
A natureza do conflito está na escolha desse modelo que utiliza fortemente os recursos naturais da região para uma elite e em detrimento do povo e dos trabalhadores da região. E sempre que os trabalhadores reagem, a resposta é a violência, seja pelo uso da repressão do Estado por meio da ação policial – há dois dias [esta entrevista foi concedida em 28 de abril] foram presos 18 militantes que ocuparam o canteiro de obra da hidrelétrica de Tucuruí –, seja pela cooptação dos movimentos e suas lideranças, destituindo a pauta de reivindicação dos trabalhadores, ou ainda – a mais perigosa – com a eliminação física dos militantes e dirigentes desses movimentos. A reação do capital é essa e está colocada na conjuntura da região.
Nos últimos 30 anos, foram assassinados 832 trabalhadores no campo paraense. Há uma verdadeira guerra civil no Estado em que só uma parte tem perdido e tem sido os trabalhadores. O Estado não produziu nenhuma condenação satisfatória desses assassinatos. Há uma cultura da violência e um apelo à violência de classe como meio de manutenção dos interesses do grande capital e da burguesia agrária e conservadora da região.
Qual projeto alternativo do MST e outros movimentos do campo para a região?
Exercer soberania popular sobre os recursos da região. Aí está o epicentro da disputa. Essas riquezas devem servir aos interesses do povo. Mas para isso temos que combater três elementos que estão articulados: primeiro, o imperialismo ambiental, que expolia os recursos naturais. A segunda tarefa é desalienar a sociedade que está cooptada e embrutecida por esse modelo de desenvolvimento. Terceiro: nos próprios movimentos, desmistificar a ideologia do desenvolvimento auto-sustentável que, na prática, dá tudo às transnacionais, e para a sociedade local prega o uso controlado e regulado. Em contrapartida, propomos usar os recursos naturais da região a favor dos interesses do povo. Esse modelo não viabiliza a sociedade, mas apenas o lucro e o capitalismo. Queremos construir uma plataforma em que o povo seja guardião da floresta, da terra e da biodiversidade. Essa é nossa luta na região, ainda que tenhamos que enfrentar a violência.