domingo, 23 de outubro de 2011

Transcrição da mensagem, em vídeo, de René González ao povo cubano.

González é um antiterrorista cubano que foi preso e condenado injustamente nos Estados Unidos por "espionagem" a serviço de uma "nação inimiga do povo estadunidense". Cuba nega que tanto René como os outros quatro que compõe "os cincos" antiterroristas presos no Império são espiões profissionais como, por exemplo, são os agentes da CIA (serviço de espionagem estadunidense) ou do Mossad (serviço de espionagem de Israel). Afirma que a missão deles, nos Estados Unidos, eram apenas informarem às autoridades cubanas de antemão, sobre planos terroristas de grupos de extrema-direita da Flórida, evitando assim, que estes continuassem se materializando na ilha. A história dos "cincos" é contada no livro, Os últimos soldados da guerra fria, do escritor brasileiro Fernando Morais, recentemente lançado no Brasil. Libertado este mês, René está em um regime de liberdade supervisionada por três anos, proibido de voltar à Cuba.






Mesagem ao povo cubano por René González

Estas palavras são para meu povo, a quem as devo desde o dia em que sai do cárcere e que não puderam ser enviadas pelas circunstâncias que rodeavam a necessidade de que tivéssemos uma viagem segura antes de que pudesse redigi-las.

É difícil, realmente, dirigir-se a um povo que se quer tanto e do qual tanto me sinto parte, através de um vídeo [abaixo, em espanhol] , porém necessitava comunicar-me com vocês e dizer-lhes quanta gratidão temos por tudo o que fizeram, explicar-lhes que nos sentimos extremamente acompanhados pelas milhares de mensagens, pelas cartas dos jovens, de todos os coletivos de trabalho e de estudo que desde Cuba e do mundo nos enviaram suas mensagens, o apoio que nunca nos faltou e que nos alimentou em todos estes anos de injustiça, que já são demasiados.

Para mim este momento de felicidade que compartilhamos é, sensivelmente, um parênteses na história de agressões que, todavia, não conheceu ainda seu ápice de justiça. O fato de que eu esteja agora fora do cárcere somente significa que se esgotou uma avenida de abusos aos quais havia sido submetido; porém, ainda temos quatro irmãos que devemos resgatar e que necessitamos que estejam junto a nós, com seus familiares; que estejam entre vocês dando-lhes o melhor de si e que não permanecem nestes lugares onde são prisioneiros, onde se levantam, se despertam a cada manhã, vão a um refeitório onde não deviam comer, andam com gente com as quais não deveriam andar, e realmente devemos seguir com esta luta para tirar-lhes desta situação o mais urgente possível.

Para mim isto é somente mais uma trincheira, um lugar novo em que vou seguir lutando para que se faça justiça e os Cinco possam regressar para junto de vocês.

Quero mandar uma saudação especial aos familiares dos outros quatro irmãos, que realmente me comoveram através de sua alegria. Realmente toca profundamente o coração quando se fala com uma pessoa pelo telefone, que tem seu filho preso, seu esposo preso, e recebe a minha liberdade como se fosse a liberdade de um ente querido seu. A mim, isso realmente comove e me torna mais comprometido; devemos seguir lutando porque eles não merecem estar onde estão.

A todo meu povo, a todos os que nestes anos nos acompanharam em todo o mundo, e que foram milhares, através dos quais pudemos pouco a pouco ir rompendo este bloqueio informativo, rompendo o silêncio que as grandes corporações da imprensa fizeram e continuam a fazer sobre o caso, lhes estendo, de parte dos Cinco, meu mais profundo agradecimento, meu compromisso de seguir-lhes representando como merecem, que em definitiva instância é o que estamos fazendo, porque não somos somente Cinco, somos um povo inteiro que resiste durante 50 anos, e graças a isso é que todavia ainda resistimos, porque nos inspiramos em vocês, porque sabemos que os representamos e nunca lhes vamos a falhar e sempre estaremos a altura do que vocês merecem.

Um abraço para todos.

Os Cinco os querem bem onde quer que estejamos.


sábado, 22 de outubro de 2011

Os EUA e os Lutadores da Liberdade, ontem e hoje:

Os gangsters imperialistas na Líbia

Khadafi foi assassinado para que não fosse levado a nenhum tribunal, onde poderia contar tudo o que sabia sobre as relações entre seu governo e a CIA, o governo e os serviços de inteligência britânicos, Sarkozy e seus “barbudos”, Berlusconi e a máfia, e poderia também lembrar quem são Jibril e Jalil, principais líderes actuais do Conselho Nacional de Transição e, até bem pouco tempo, seus fiéis agentes e servidores.

Por Guillermo Almeyra.



Um vídeo, publicado pelo Le Monde, mostra Muammar Khadafi capturado vivo e linchado por seus inimigos. Ele não morreu, portanto, num bombardeamento da OTAN quando fugia num comboio nem em consequência das feridas recebidas quando o levavam em uma ambulância.

Ele foi simplesmente assassinado para que não fosse levado a nenhum tribunal porque aí poderia contar tudo o que sabia sobre as relações entre seu governo e a CIA, o governo e os serviços de inteligência britânicos, Sarkozy e seus “barbudos”, Berlusconi e a máfia, e poderia também lembrar quem são Jibril e Jalil, principais líderes atuais do Conselho Nacional de Transição e, até bem pouco tempo, seus fieis agentes e servidores.

A lista dos limões espremidos é longa: o panamenho Noriega, agente da CIA convertido em um estorvo, salvou-se do bombardeio ao Panamá que tentava assassiná-lo e jamais foi apresentado em um tribunal legítimo. Saddam Hussein, agentes dos EUA durante a longa guerra de oito anos contra os curdos e contra o Irão, teve sim um processo em um tribunal, mas composto por funcionários dos EUA e carrascos, nada de sua defesa política ganhou repercussão e terminou enforcado de modo infame.

Bin Laden, agente da CIA junto com os talibãs durante toda a guerra contra os soviéticos no Afeganistão e sócio do presidente George Bush na indústria petroleira, foi assassinado desarmado em uma grande operação típica de gangsters e foi lançado ao mar para que não falasse em um processo e para que nem sequer sua tumba pudesse servir como ponto de encontro a todos os que no Paquistão e no Afeganistão repudiam o colonialismo dos criminosos imperialistas.

Agora, os imperialistas franco-anglo-estadunidenses acabam de utilizar a barbárie e o ódio inter-tribal para se livrar de Kadafi que, como prisioneiro, era um perigo para eles. O novo governo líbio que surgirá depois de uma luta feroz entre os diversos clãs e interesses que integram o actual CNT, poderá renegociar assim a relação de forças entre as diferentes regiões e tribos sem o kadafismo e sob a tentativa imperialista de submetê-lo, mas afogou o passado em um banho de sangue e nasce coberto de horror e de infâmia perante o mundo.

Kadafi não será lembrado pelos líbios como um novo Omar Mukhtar, o líder da resistência ao imperialismo italiano enforcado pelos fascistas, porque antes de ser assassinado por seus ex-sócios e servidores também foi responsável por inúmeros crimes e enormes traições. Mas seu linchamento cairá como uma mancha a mais sobre seus executores e sobre os mandantes da turba feroz que o despedaçou aplicando-lhe a pena de morte selvagem que os imperialistas decretam contra seus agentes que precisam despachar.


Guillermo Almeyra é professor de Relações Sociais da UNAM (Universidade Autónoma do México) e colaborador do jornal mexicano La Jornada.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer. Publicado na Carta Maior

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Cabo Anselmo: vulgarização da barbárie



A entrevista feita com o informante da ditadura militar, cabo Anselmo, no programa Roda Vida, da TV Cultura, levado ao ar nesta 2ª feira, foi boa para o entrevistado. Descontraído, o personagem, um dos mais sombrios da vida política brasileira, buscou 'humanizar-se', repartindo sua folha corrida com a esquerda, cuja resistência legítima ao regime ameaçaria, no seu entender nebuloso, levar o país à guerra civil.

Teria sido para evitá-la que ele traiu e entregou ao moedor de carne da ditadura - literalmente - tudo e todos que dele se aproximaram. Inclusive a própria companheira. Esse, o personagem. O enredo não encontrou na forma e no conteúdo do programa um contrapeso suficiente à releitura psicopata da história. A forma trivial com que alguns o arguiram sobre a desumanidade de uma trajetória devastadora, a abordagem algo tosca de outros revelando despreparo latejante para o tema, sacramentou o tom de curiosidade do conjunto, a maioria jogando íscas, como turistas diante de um espécime raro, num zoológico da história.

Quem sabe ele retribui com uma cambalhota inédita? Possivelmente, aos olhos de muitos, em especial os mais jovens que não vivenciaram aquele período, o saldo tenha sido a relativização das razões em confronto. O episódio serve de alerta aos trabalhos da Comissão da Verdade em vias de instalação. É preciso definir com precisão uma abordagem dos trabalhos que possibilite, de fato, trazer para o conhecimento e a reflexão do país, principalmente para as novas gerações, o que foi e o que subsiste do aparato repressivo da ditadura militar brasileira.

A experiência do Roda Viva demonstra que é indispensável o amparo de vozes qualificadas da sociedade para expressar seus valores mais caros, aqueles que sustentam os laços da convivência compartilhada, laços humanistas, solidários e libertários, rompidos pelo horror de ontem, mas de hoje também. É no confronto com esses valores, e com a atualidade que os ameaça, que a exposição da barbárie ganha sua dimensão pedagógica afrontada pela dialética do esclarecimento.

Caso contrário, corre-se o risco de vulgarizar a sua prática como mais um produto - ou celebridade - a ser consumido na engrenagem insaciável de uma espetacularização que empresta normalidade a qualquer coisa. Mesmo às mais abjetas.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Slavoj Žižek na ocupação em Wall Street: “We are not dreamers, we are the awakening from a dream which is turning into a nightmare”

Slavoj Žižek visitou a ocupação em Wall Street e falou ao manifestantes.

Ainda não tive tempo de traduzir o conteúdo, todo caso, em primeira mão, aí vai a íntegra da intervenção do pensador esloveno, em inglês mesmo. Quem tem um inglês básico, consegue entender.  


Don't fall in love with yourselves, with the nice time we are having here. Carnivals come cheap—the true test of their worth is what remains the day after, how our normal daily life will be changed. Fall in love with hard and patient work—we are the beginning, not the end. Our basic message is: the taboo is broken, we do not live in the best possible world, we are allowed and obliged even to think about alternatives. There is a long road ahead, and soon we will have to address the truly difficult questions—questions not about what we do not want, but about what we DO want. What social organization can replace the existing capitalism? What type of new leaders we need? The XXth century alternatives obviously did not work.

So do not blame people and their attitudes: the problem is not corruption or greed, the problem is the system that pushes you to be corrupt. The solution is not “Main street, not Wall street,” but to change the system where main street cannot function without Wall street. Beware not only of enemies, but also of false friends who pretend to support us, but are already working hard to dilute our protest. In the same way we get coffee without caffeine, beer without alcohol, ice-cream without fat, they will try to make us into a harmless moral protest. But the reason we are here is that we had enough of the world where to recycle your Coke cans, to give a couple of dollars for charity, or to buy Starbucks cappuccino where 1% goes for the Third World troubles is enough to make us feel good. After outsourcing work and torture, after the marriage agencies started to outsource even our dating, we see that for a long time we were allowing our political engagements also to be outsourced—we want them back.

They will tell us we are un-American. But when conservative fundamentalists tell you that America is a Christian nation, remember what Christianity is: the Holy Spirit, the free egalitarian community of believers united by love. We here are the Holy Spirit, while on Wall Street they are pagans worshipping false idols.

They will tell us we are violent, that our very language is violent: occupation, and so on. Yes we are violent, but only in the sense in which Mahathma Gandhi was violent. We are violent because we want to put a stop on the way things go—but what is this purely symbolic violence compared to the violence needed to sustain the smooth functioning of the global capitalist system?

We were called losers—but are the true losers not there on the Wall Street, and were they not bailed out by hundreds of billions of your money? You are called socialists—but in the US, there already is socialism for the rich. They will tell you that you don't respect private property—but the Wall Street speculations that led to the crash of 2008 erased more hard-earned private property than if we were to be destroying it here night and day—just think of thousands of homes foreclosed...

We are not Communists, if Communism means the system which deservedly collapsed in 1990—and remember that Communists who are still in power run today the most ruthless capitalism (in China). The success of Chinese Communist-run capitalism is an ominous sign that the marriage between capitalism and democracy is approaching a divorce. The only sense in which we are Communists is that we care for the commons—the commons of nature, of knowledge—which are threatened by the system.

They will tell you that you are dreaming, but the true dreamers are those who think that things can go on indefinitely they way they are, just with some cosmetic changes. We are not dreamers, we are the awakening from a dream which is turning into a nightmare. We are not destroying anything, we are merely witness how the system is gradually destroying itself. We all know the classic scene from cartoons: the cat reaches a precipice, but it goes on walking, ignoring the fact that there is no ground under its feet; it starts to fall only when it looks down and notices the abyss. What we are doing is just reminding those in power to look down...

So is the change really possible? Today, the possible and the impossible are distributed in a strange way. In the domains of personal freedoms and scientific technology, the impossible is becoming increasingly possible (or so we are told): “nothing is impossible,” we can enjoy sex in all its perverse versions; entire archives of music, films, and TV series are available for downloading; space travel is available to everyone (with the money...); we can enhance our physical and psychic abilities through interventions into the genome, right up to the techno-gnostic dream of achieving immortality by transforming our identity into a software program. On the other hand, in the domain of social and economic relations, we are bombarded all the time by a You cannot ... engage in collective political acts (which necessarily end in totalitarian terror), or cling to the old Welfare State (it makes you non-competitive and leads to economic crisis), or isolate yourself from the global market, and so on. When austerity measures are imposed, we are repeatedly told that this is simply what has to be done. Maybe, the time has come to turn around these coordinates of what is possible and what is impossible; maybe, we cannot become immortal, but we can have more solidarity and healthcare?

In mid-April 2011, the media reported that Chinese government has prohibited showing on TV and in theatres films which deal with time travel and alternate history, with the argument that such stories introduce frivolity into serious historical matters—even the fictional escape into alternate reality is considered too dangerous. We in the liberal West do not need such an explicit prohibition: ideology exerts enough material power to prevent alternate history narratives being taken with a minimum of seriousness. It is easy for us to imagine the end of the world—see numerous apocalyptic films -, but not end of capitalism.

In an old joke from the defunct German Democratic Republic, a German worker gets a job in Siberia; aware of how all mail will be read by censors, he tells his friends: “Let's establish a code: if a letter you will get from me is written in ordinary blue ink, it is true; if it is written in red ink, it is false.” After a month, his friends get the first letter written in blue ink: “Everything is wonderful here: stores are full, food is abundant, apartments are large and properly heated, movie theatres show films from the West, there are many beautiful girls ready for an affair—the only thing unavailable is red ink.” And is this not our situation till now? We have all the freedoms one wants—the only thing missing is the red ink: we feel free because we lack the very language to articulate our unfreedom. What this lack of red ink means is that, today, all the main terms we use to designate the present conflict—'war on terror,' "democracy and freedom,' 'human rights,' etc—are FALSE terms, mystifying our perception of the situation instead of allowing us to think it. You, here, you are giving to all of us red ink.