“Os Estados Unidos nos devem uma resposta”. Com essas palavras, o chanceler Héctor Timerman anunciou o envio a Washington de uma nota de protesto formal pelo material bélico que militares desse país tentaram ingressar sem autorização na Argentina, como antecipou o jornal Página 12. Assim levantou-se a bandeira na disputa bilateral que se desatou por meio do seqüestro do “material sensível” não declarado no vôo da Força Aérea que chegou quinta-feira passada a Buenos Aires com elementos para um curso que seria dado aos membros da Polícia Federal: “Queremos que Estados Unidos cumpram as leis argentinas”, completou
“Quase um terço da carga não figurava na lista de boa fé” que havia sido entregue à embaixada, detalhou Timerman, que também esclareceu que “tudo o que estava na lista tinha sido autorizado” a ingressar no país, no entanto foram retidas drogas, psicotrópicos, elementos para interceptar comunicações, equipamentos de GPS e manuais de operação em distintos idiomas, que não figuravam no manifesto. Apesar dos reiterados pedidos do Departamento de Estado este material não será devolvido até que “as autoridades argentinas que investigam este caso não necessitem mais”, sustentou o chanceler, que voltou a pedir aos estadunidenses “colaboração” para esclarecer o episódio o mais breve possível.
“O Governo da República Argentina expressa seu mais enérgico protesto frente à situação que se colocou com a verificação da carga”, sustentou a carta formal que a Chancelaria enviou na segunda-feira à noite. “Até o momento – continua -, nem a embaixada nem o governo dos Estado Unidos da América pronunciaram explicações satisfatórias que esclareçam a presença do material não declarado no carregamento que chegou ao Aeroporto de Ezeiza (internacional de Buenos Aires), assim como tão pouco o uso que se pretendia dar uma vez ingressado no país”. O comunicado também “lamenta” as “imprecisões e omissões" na informação proporcionada pelas autoridades estadunidenses sobre o tema, que foi repetida sem correções por vários meios locais durante o dia de ontem e reitera o convite à embaixada a que colabore com a investigação “a fim de esclarecer” o episódio.
“Temos toda a disposição de poder seguir colaborando em forma respeitosa em um tema que é tão importante para todos como é a insegurança cidadã", havia assegurado algumas horas antes o subscretário de Estado Adjunto para o Hemisfério Ocidental, Arturo Valenzuela. Ainda - segundo Timerman - Washington "em nenhum momento" pediu desculpas nem aceitou formar parte da investigação. "Não nos deram nenhuma explicação - acrescentou -, nos devem uma resposta". Também que a Argentina não está acusando o governo dos Estados Unidos pelo epsódio: "Quiçá não sabiam", sugeriu o ministro das Relações Exteriores, que sustentou a melhor forma que tem de corroborar sua inocência proporcionando sua ajuda na investigação.
Por outra parte, Valenzuela acrescentou que o governo dos Estado Unidos "espera a devolução imediata" do material sequestrado, e o chanceler argentino descartou esta possibilidade, fundamentando que "o mais correto é que esse material seja retido pela Justiça e pela Alfândega, que é o que faria qualquer país normal preocupado com a sua segurança". O chanceler insistiu que "as leis estão para que todos cumpram" e que os Estados Unidos não estão excluídos dessa norma por serem "um país maior ou poderoso" que outros. "Quando as autoridades argentinas que têm competência não os necessitarem mais para investigação, se o solicitam serão devolvidos" os materiais.
Segundo detalhou a Chancelaria, na quinta-feira passada, depois da chegada da aeronave estadunidense "ocorreram controles que, tanto na Argentina como nos Estados Unidos da América, são normais e de rotina para um carregamento com estas características" no qual descobriram o equivalente a uma habitação de três metros quadrados) de material que não constava na lista. "Estamos muito preocupados com a segurança na Argentina", assegurou o ministro, que lembrou os dois atentados sofridos por este país na década de 90 como justificativa para intensificar medidas em relação ao ingresso de elementos "sensíveis" que podem ser utilizados para atacar a população civil.
Entre o material apreendido há "armamentos, drogas psicotrópicas, assim como vários elementos de armazenamento de dados rotulados como secretos, instrumentos para o controle de comunicações e emissões de sinais e manuais operativos", além de "um baú com medicamentos vencidos". Timerman declarou que "tudo que estava incluído na lista foi autorizado" a entrar no país, incluindo uma quantidade importante de munições de chumbo para armas de guerra e "o que não entrou" - concluiu - "é porque não estava na lista".
Em Washington reclamaram que, diante de um episódio semelhante que ocorreu em agosto do ano passado, foi permitido o regresso do avião com todo o material que continha. "Da outra vez não passou pela intervenção da embaixada", que pediu que o avião regressasse sem descarregar seu conteúdo que, segundo explicou o ministro, "não coincidia em nada com o documento previamente declarado".
Questionados, funcionários do governo argentino concordaram que não há uma intenção política nem militar por trás deste episódio. Na Casa Rosada, sustentam, mais do que a tentativa de entrar com estes elementos o que incomodou foi Washington ter respondido com mentiras que deixam o país mal "para justificar sua gafe". De todas as formas, tanto Valenzuela como Timerman declararam várias vezes que "a relação bilateral é boa" e que não está em risco por causa deste fato.
Original em Brasil de Fato
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