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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Saramago - Quando esteve em Porto Alegre I

"Tudo se discute neste mundo, menos uma única coisa: a democracia. Ela está aí, como se fosse uma espécie de santa no altar, de quem já não se espera milagres, mas que está aí como referência. E não se repara que a democracia em que vivemos é uma democracia seqüestrada, condicionada, amputada(...)"

José Saramago - Em Porto Alegre, no V Forum Social Mundial (2005)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Maringoni: "FSM precisa 'discutir a relação' consigo mesmo"


Talvez falte ao Fórum uma amarração maior entre os vários temas e discussões. É possível que uma das soluções seja agrupar cada vez mais temas e seminários afins. Claro que a questão de fundo é política, entre uma visão particularista autonomista – própria das ONGs – e outra totalizante e mais contextualizada, própria das organizações políticas. Lilian Celiberti fez uma análise provocadora: "Acabamos de ter uma vitória significativa da direita no Chile, com a eleição de Sebastian Piñera. Se não atentarmos também para nossos fracassos, podemos deixar de fazer uma contribuição efetiva para nossas lutas”. A análise é de Gilberto Maringoni.

Gilberto Maringoni

Tudo o que ocorre nos eventos do Fórum Social Mundial é muito interessante. Debates seminais, como gostam de dizer os intelectuais, têm lugar em iniciativas oficiais e paralelas acontecidas no eixo Porto Alegre-Salvador. Não estão em pauta perfumarias e nem se trata de um a sequência de tertúlias e saraus inócuos. Não. São mesas redondas compostas por especialistas, que colocam em pauta temas como crise, racismo, guerra, questões de gênero, defesa da soberania, desenvolvimento etc.

Há sempre uma programação dita oficial e várias paralelas, que correm por conta de entidades, partidos e ONGs. São reuniões concorridas, como o debate “Diálogos e controvérsias”, na qual estiveram presentes o ministro Patrus Ananias, o governador da Bahia Jaques Wagner e outros membros do governo, e o lançamento da pré-candidatura à presidência da República de Plínio de Arruda Sampaio, pelo PSOL, ambas no ábado. “Hay de todo”, como falam nossos vizinhos latinoamericanos.

Caminhos das esquerdas
Na manhã deste domingo, aconteceu a mesa “A esquerda e as contribuições dos pensadores da América Latina e África”, com José Luis Del Roio (Itália), Lilian Celiberti (Uruguai), Cristophe Aguitton (França) e os brasileiros Waldyr Pires (ex-governador da Bahia), José Reinaldo Carvalho (PCdoB) e Franklin Oliveira Jr. Um tema importante, com sala lotada. Valeria um seminário maior, pois se a intenção era abarcar as várias correntes da esquerda continental, a mesa teria de convidar mais de vinte integrantes.

De certa forma, esta seria uma mesa para apontar “cenas do próximo capítulo”, no derradeiro dia do encontro baiano. Os convidados eram dos mais qualificados. Del Roio, ex-senador italiano pela Refundação Comunista e histórico dirigente da esquerda brasileira nos tempos da ditadura, recuperou autores hoje esquecidos, como o fundador do Partido Comunista Brasileiro, Astroildo Pereira (1890-1965), e mencionou a importância de se levar em conta o acúmulo teórico de José Carlos Mariátegui (1894-1930), fundador da Aliança Popular Revolucionária Andina (APRA), no Peru. José Reinaldo Carvalho, dirigente do PCdoB, seguiu pela mesma trilha, afirmando que os grandes desbravadores teóricos brasileiros não foram apenas aqueles ligados ao marxismo.

A lista deve se estender a contribuições como as de Celso Furtado (1920-2004) e Darcy Ribeiro (1922-1997). Cristophe Aguiton logrou sintetizar em 20 minutos uma questão crucial. “A idéia de progresso sempre esteve associado ao pensamento da esquerda. Todas as nossas análises baseiam-se na evolução histórica do feudalismo para o capitalismo e deste para o socialismo. Será que este etapismo ainda vale nos dias de hoje, após as ricas experiências e aos variados aportes teóricos que recebemos nas últimas décadas?” O ativista francês se refere à diversidade de sujeitos sociais percebidos após os anos 1950-60, com a emergência das lutas de independência nacional e as demandas afirmativas de segmentos como mulheres, negros, minorias sexuais etc. Aguiton não tem a resposta, mas foi o que mais se ateve ao tema do debate, buscando reconhecer em autores como o equatoriano Anibal Quijano contribuições novas à luta emancipatória em diversas partes do mundo.

Mas foi Lilian Celiberti quem literalmente lançou a análise mais provocativa. “Não podemos, num esforço de análise teórica, despolitizar nosso discurso. Acabamos de ter uma vitória significativa da direita no Chile, com a eleição do milionário Sebastian Piñera. Se não atentarmos não apenas para nossos avanços, mas também para nossos fracassos, podemos deixar de fazer uma contribuição efetiva para nossas lutas”.

Polêmicas
Como tantos outros, o debate foi acalorado. Um dos membros do plenário contestou vivamente Cristophe Aguiton por este ter incluído a teoria da dependência como uma contribuição teórica para a esquerda. “É uma formulação de Fernando Henrque Cardoso, que preconizava uma inserção subordinada do Brasil no mundo”, criticou o ativista. Aguiton replicou que há várias nuances em tal teoria e que existe uma visão de esquerda ali representada por Samir Amin, economista egípcio.

Tudo muito bom, todo bom demais. Mas o debate acaba e o que poderia ser um bom ponto de partida fica restrito a uma manhã quente de controvérsias num salão de hotel próximo ao farol da Barra.

Talvez falte ao Fórum uma amarração maior entre os vários temas e discussões fragmentados. Para usar mais uma expressão tão ao gosto dos intelectuais, esta mesa das esquerdas “dialoga” perfeitamente com o seminário “Crises e oportunidades”, realizado ao longo dos três dias do encontro de Salvador. É possível que uma das soluções seja agrupar cada vez mais temas e seminários afins. Claro que a questão de fundo é política, entre uma visão particularista autonomista – própria das ONGs – e outra totalizante e mais contextualizada, própria das organizações políticas. Algo precisa mudar.

O fato é que o auge das reuniões dos Fóruns Sociais Mundiais e seu maior impacto sobre a vida política de vários países parece ter acontecido entre 2004 e 2008. Superada a novidade de se abrir a pauta num tempo em que prevalecia a máxima de “não há alternativas”, o FSM precisa “discutir a relação” consigo mesmo. Se não, logo, logo se começará a dizer que “a forma-Fórum” está superada, a exemplo do que muitos dizem a respeito da “forma-partido” (que, aliás, está muito longe de ser ultrapassada).
  
Reproduzido de Carta Maior

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

FSM 10 ANOS: Balanço do "outro mundo possível"

Aos dez anos de Seattle e do primeiro Fórum Social Mundial, o balanço que é preciso fazer é da luta pelo “outro mundo possível”. Um balanço do FSM deve ser não o balanço dos Fóruns, mas dos objetivos a que se propôs, quando começamos a organizá-los, há uma década. A avaliação do FSM ter que ser feita em função das suas contribuições à construção de alternativas ao neoliberalismo. A análise é de Emir Sader.


Emir Sader


Aos dez anos de Seattle e do primeiro Fórum Social Mundial, o balanço que é preciso fazer é da luta pelo “outro mundo possível”. Um balanço do FSM deve ser não o balanço dos Fóruns, mas dos objetivos a que se propôs, quando começamos a organizá-los, há uma década.


Uma outra ótica seria vítima do corporativismo, da crença que a evolução interna de uma organização é a história política dessa organização. A história e o balanço de um partido político deve ser o balanço dos objetivos a que esse partido se propõe. Um balanço do FSM não é um balanço da situação das ONGs ou dos movimentos sociais. Ao contrário, estes devem ser avaliados em função da contribuição que tenham feito à construção do “outro mundo possível”.


Por isso, a referência a estabelecer como parâmetro de avaliação é a situação de criação do “outro mundo possivel”. Há uma década o neoliberalismo ainda reinava soberanamente como modelo hegemônico, seja em escala mundial, seja na América Latina. Na sucessão da primeira geração de mandatários que o personificavam – Reagan, Thatcher -, para a segunda – Clinton, Blair – se ampliava o consenso da extrema direita para forças originariamente alternativas a ela: os democratas norteamericanos, os trabalhistas ingleses. Enquanto que no continente, ao extremismo de direita de Pinochet se somavam formas nacionalistas – como o peronismo de Menem e os governos do PRI mexicano -, assim como social democratas, como os socialistas chilenos, AD da Venezuela, os tucanos brasileiros.


Nossas sociedades foram profunda e extensamente transformadas conforme esse receituário, os Estado nacionais enfraquecidos, os patrimônios públicos privatizados, os direitos sociais recortados, o capital especulativo incentivado, resultando no aumento brutal da desigualdades, da concentração de renda, da exclusão dos direitos à massa da população, do empobrecimento generalizado das sociedades e dos Estados.


Passados dez anos, o mundo continua sob hegemonia conservadora, mesmo se debilitado na sua legitimidade, o modelo neoliberal segue hegemônico. A diferença substancial vem da América Latina, onde um conjunto de governos, mesmo se diferenciados entre si, passaram a colocar em prática políticas contrapostas ao modelo neoliberal, depois de ter sido a região privilegiada de dominação neoliberal, com a maior quantidade e as modalidades mais radicais de governos neoliberais.


A região apresenta hoje os mais importantes processos de integração regional em contraposição aos Tratados de Livre Comércio propostos pelo neoliberalismo. O grande projeto norteamericano, que buscava estender a livre comércio a todo o continente, a Alca, foi derrotado e, no seu espaço, se fortaleceu o Mercosul, se desenvolveram o Banco do Sul, Unasul, o Conselho Sulamericano de Defesa, a Alba – entre outras iniciativas. São espaços alternativos, em que se desenvolvem, em distintos níveis, formas de intercambio privilegiado entre os países da região, acompanhadas da diversificação do comércio internacional dos países que participam dela.


Ao mesmo tempo, em alternativa ao privilégio dos ajustes fiscais, se desenvolveram políticas sociais que melhoraram significativamente o nível de vida e diminuíram os graus de desigualdade no continente de maior desigualdade no mundo. Os mercados internos de consumo popular se ampliam e se aprofundam.


A combinação desses três elementos – diversificação do comércio internacional, com diminuição do peso do centro do capitalista e aumento importante do peso dos intercâmbios do Sul do mundo; intensificação substantiva do comércio entre os países da região; expansão, inclusive durante a crise, do mercado interno de consumo popular – fez com que os países incorporados aos processos de integração regional, resistiram muito melhor aos duros efeitos da crise e vários deles voltaram a crescer.


Por outro lado, projetos como os de alfabetização – que fizeram com que a Venezuela, a Bolívia e o Equador tenham se somado a Cuba, como os territórios livres de analfabetismo nas Américas -, de formação de várias gerações de médicos pobres no continente, pelas Escolas Latinoamericanas de Medicina, em Cuba e na Venezuela - de recuperação da visão de mais de 2 milhões de pessoas, na Operação Milagre – demonstram como a recuperação de direitos essenciais tem que se fazer na esfera pública e não na mercantil.


Os intercâmbios solidários dentro da Alba são exemplos concretos do “comércio justo”, pregado pelo FSM desde seus inícios, em espaços com critérios das possibilidades e das necessidades de cada país, em contraposição clara às normas do mercado, do livre comércio e da OMC.


Sem ir mais longe, a avaliação do FSM ter que ser feita em função das suas contribuições à construção de alternativas ao neoliberalismo, do “outro mundo possível”. Sem uma compreensão concreta da força e da abrangência da hegemonia neoliberal, assim como das condições inéditas concretas em que se constroem alternativas, o debate passaria longe da realidade concreta de luta contra o neoliberalismo.


É também indispensável compreender que esse movimento passou da fase de resistência, predominante na ultima década do século passado, e a fase de construção de alternativas. A visão da “autonomia dos movimentos sociais” teve vigência na primeira etapa, porém quando pretenderam estendê-la para a década seguinte, cometeram equívocos fundamentais. O movimento mais significativo – e que, não por acaso, se dá no processo mais importante de construção de alternativas atualmente, o de Bolívia – foi o da fundação do MAS pelos movimentos sociais bolivianos, a partir da consciência de que, depois de derrubar vários presidentes, sucessivamente, constituíram um partido, disputaram as eleições e elegeram a Evo Morales presidente do país. Retomaram laços com a esfera política, de outra forma, convocando a Assembléia Constituinte e passando à refundação do Estado boliviano.


Outros movimentos, que mantiveram a visão equivocada e corporativa da “autonomia” ou se isolaram ou praticamente desapareceram da cena política. Essa “autonomia”, se fosse – como ocorria anteriormente – em relação a políticas de subordinação de classes, tinha um sentido. Mas se se trata de autonomia em relação à política, ao Estado, à luta por uma nova hegemonia, é um conceito corporativo, adaptado às condições de resistência, mas completamente equivocado quando se trata de construir condições de construção de hegemonias alternativas.


No FSM de Belém foi possível constatar, com a presença de cinco presidentes latinoamericanos comprometidos, de formas distintas, com a construção de alternativas ao neoliberalismo, quanto avançou e tem reconhecimento da luta iniciada há 10 anos. Já o FSM decepcionou. Não foram elaboradas propostas de enfrentamento da crise econômica. Não se fizeram balanços e discussões com esses e outros governos, junto aos movimentos sociais, para discutir as contribuições que tenham e os problemas pendentes.


Em suma, ao ter ainda ONGs como protagonistas centrais, ao auto-limitar-se à esfera social, ao fechar os olhos para os governos que estão avançando em projetos de superação do neoliberalismo, ao não encarar o tema das guerras – e, com elas, do imperialismo -, o FSM foi perdendo transcendência, tornando-se um encontro para intercâmbio de experiências – concepção pregada pelas ONGs, que o tornam intranscendente.


O balanço, pelo menos na América Latina, da luta por um “outro mundo possível”, é muito positivo, ainda mais se considerarmos o entorno conservador predominante no mundo. Já o FSM, ficou girando em falso, sem capacidade de acompanhar esses avanços e os temas da hegemonia imperial no mundo, entre eles o dos epicentros de guerra imperial no mundo – Iraque, Afeganistão, Palestina, Colômbia.

Reproduzido de  Carta Maior