terça-feira, 16 de março de 2010

Greves de fome atrapalham diálogo Cuba-EUA


O caso dos dissidentes cubanos em greve de fome e as pressões para indultar os presos da ilha afetam o progresso do diálogo entre Cuba e os Estados Unidos, assim como os avanços com a União Europeia (UE). A opinião é do cientista político Rafael Hernandez, que concedeu entrevista ao La Jornada. "O governo de Havana não negocia sob pressão, só o diálogo diplomático tem resultados, como bem sabem outros governos"
Diretor da revista cubana Temas, Hernandez acaba de retornar da Universidade do Texas, em Austin, onde ensinava em uma pós-graduação sobre relações entre Cuba e EUA, o que já havia lecionado em Columbia e Harvard e, no México, no CIDE e ITAM.

Ele considera que os dissidentes não são sociedade civil, mas "micropartidos de oposição", e que entre os seus líderes não existe nenhum (Václav) Havel ou (Lech) Walesa (líderes da derrocada do socialismo no Leste Europeu). Confira abaixo a entrevista:

La Jornada: Qual é a conjuntura internacional atual de Cuba, sobretudo em relação aos Estados Unidos?

Rafael Hernandez: Ainda que este governo (dos Estados Unidos) não tenha feito mudanças políticas substanciais em relação a Cuba, o diálogo tem avançado mais neste último ano que em toda uma década. Retomaram as negociações migratórias e foram abertos diálogos sobre temas como correios diretos. O Congresso pode aprovar a liberdade dos norte-americanos para viajarem à ilha. Alguns grupos semi-oficiais exploram vias para a cooperação em matéria de tráfico de drogas.

Sem levantar as restrições ao intercâmbio acadêmico e cultural impostas por Bush em 2005, forneceram alguns vistos. Por outro lado, a UE, com a liderança da Espanha, se aproximou do governo de Raúl Castro, cujas relações com a América Latina estão mais estreitas que nunca.

La Jornada: A visão internacional sobre Cuba se concentra na oposição, depois da morte de Orlando Zapata Tamayo e a greve de fome de Gullermo Fariñas ...

Rafael Hernandez: A morte de Zapata é uma tragédia humana, mas sua repercussão responde a fatores políticos, que estão encadeados à greve de fome de Fariñas. Nenhuma das atuais pressões para o perdão dos presos facilita as mudanças na política cubana, rodeada hoje por uma tormenta propagandística. Nem sequer sob a pressão da Crise dos Mísseis (outubro de 1962), à beira de um conflito nuclear, a política de Cuba mudou.

A maneira mais eficaz de realizar uma mudança (como têm sabido quase todos os governos mexicanos) é o diálogo diplomático respeitoso. É óbvio que a morte de Zapata e suas consequências convêm àqueles que se opõem a esse diálogo com os Estados Unidos e a Europa.

La Jornada: Estamos falando de dissidentes, opositores, mercenários, prisioneiros de consciência, presos políticos ...?

Rafael Hernandez: Um dissidente é aquele que renega a sua crença anterior. Este não é o caso dos clássicos anti-comunistas do exílio, mas o dos ex-comunistas pós soviéticos e de outras tendências ortodoxas, das quais provêm Ricardo Boffil, Elizardo Sanchez e Vladimiro Roca, autênticos dissidentes.

Estes descartaram a violência armada, igual às principais forças de exilados anti-castristas. Ambos os grupos diferem em relação ao bloqueio, mas coincidem no seu desejo de restauração capitalista e no anti-castrismo furioso. Por isso se identificam facilmente com os Estados Unidos, com partidos e governos europeus e de outros países.

Ainda que alguns se apresentem como social-democratas, o eixo ideológico dissidente se move entre o centro e a direita. São grupos pequenos e numerosos, dispersos e sem raízes na população. Claramente, além de receberem dinheiro e apoio político de Washington, também têm crenças ideológicas, e entre eles pode haver pessoas honestas, ressentidas ou confusas.

Eles não têm a base social de um sindicato Solidariedade, nem entre os seus dirigentes há algum Walesa ou Vaclav Havel. Não são sociedade civil, mas micropartidos de oposição. O punhado de presos políticos em suas fileiras não está na cadeia por crimes "de consciência", nem pela mera expressão de idéias contrárias ao governo, mas por se oporem ativamente ao sistema, em aliança com os EUA, o exílio clássico e o velho anti-comunismo europeu.

La Jornada: O que os torna marginais para o consenso político em Cuba?

Rafael Hernandez: Primeiro, eles não são as únicos nem as principais vozes críticas do país. Embora não com a mesma ressonância externa, há um debate político em curso, dentro e fora das instituições, sobre temas como a descentralização, as formas de propriedade não-estatal, os salários, os padrões de vida, a ampliação dos espaços de livre expressão, a aplicação da lei, a democratização das instituições, o controle popular da burocracia.

Os opositores não têm um projeto coerente, apenas consígnias ideológicas. Sua falta de legitimidade interna decorre de apoio dos Estados Unidos (verificável no site do Departamento de Estado) e dos partidos europeus, e de sua aliança com o exílio. As embaixadas em Havana os conhecem e sabem que não representam nenhuma alternativa política viável; as reações internacionais e as manchetes dos meios de comunicação estrangeiros respondem mais às lutas eleitorais e parlamentares desses países, que à situação na ilha.

La Jornada: Há alguma chance de sair deste quadro?

Rafael Hernandez: Há uma lógica perversa, segundo a qual Cuba teria de pagar um tributo cada vez que os EUA apresentem uma leve mudança, como, por exemplo, autorizar as viagens de cubano-estadunidenses. Se esta administração considerasse a hipótese de libertar os cinco cubanos presos nos EUA, a única moeda de troca aceitável para os EUA seriam os dissidentes condenados como agentes de uma potência estrangeira (como os chamariam por lá).

Os dissidentes são peões neste tabuleiro de poderes que se confrontam. Em um cenário tão fechado, é difícil supor que agora poderia haver uma mudança no tratamento dado a eles. Serão os próprios cubanos que decidirão se, além de uma renovação das instituições democráticas, um modelo descentralizado e uma economia mista, caberá também uma oposição leal no futuro sistema socialista.

Fonte: Vermelho

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