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Abaixo a transcrição da pergunta de Emir Sader à Mészáros:
Heródoto Barbeiro: Professor Emir Sader.
Emir Sader: Professor Mészáros, uma distinção essencial na sua obra é aquela entre capital e capitalismo. Limites diferenciados entre um e outro. Na sua visão, os chamados Estados socialistas que desapareceram recentemente [após a queda do Bloco Soviético, ou "queda do Muro de Berlim", em 1989] teriam rompido com o capitalismo, mas não com o capital. Eu queria saber o que seria necessário para romper com o que o senhor chama de "metabolismo do capital"? [processo pelo qual o acúmulo permanente de capital induz transformações na sociedade e na natureza; conceito aparentado com o de "metabolismo social" de Marx, mais genérico, que se refere ao processo de transformação da natureza e da sociedade pela ação da própria sociedade em geral] E, particularmente, no caso da União Soviética, de que forma ela induziu, na sua visão, esse metabolismo? Desde o começo, quando o [Vladimir] Lênin [(1870-1924), líder da Revolução Russa de 1917 e chefe de governo da Rússia de 1917 a 1922] definiu o socialismo como a industrialização mais sovietes [conselhos de operários]; ou quando definiu a NEP [Nova Política Econômica (1921-1929), que fez uma pequena abertura aos negócios privados para evitar o colapso econômico do país]; ou quando o [Josef] Stálin [(1878-1953), sucessor de Lênin na União Soviética] definiu a industrialização forçada; ou se desde o começo, por ser um país periférico, já estava condenado ao metabolismo do capital?
István Mészáros: O grande problema na União Soviética foi o atraso da economia, o atraso da sociedade de modo geral. Na verdade, quando o processo começou, Lênin e os bolcheviques [ala radical dos comunistas russos, que tomaram o poder em 1917] esperavam que a Revolução Russa fosse seguida por outras revoluções. O grande atraso da sociedade pode ser corrigido por essas mesmas sociedades, pela revolução nessas sociedades, como Alemanha, Inglaterra e outras, que avançaram muito mais na indústria e na agricultura. Essa foi uma das tragédias da situação histórica. Os líderes da revolução acreditaram em algo sobre o que não tinham nenhum controle. Porque, se a revolução nos outros países não acontecesse, como de fato não aconteceu, o que poderia ser feito? A resposta de Lênin foi uma resposta quase pessimista. Ele disse: "Não podemos devolver o poder ao czar [título do monarca que governava a Rússia antes da revolução de 1917]. Temos de prosseguir como for possível." É uma operação de manutenção, como costumamos dizer. Uma operação de manutenção, até que a situação se torne mais favorável e possa prosseguir de certa forma. A posição de Lênin, portanto, não foi o que se tornou mais tarde a oposição de Stálin, que era construir o socialismo num único país. É uma idéia fadada ao fracasso. Não é possível construir o socialismo no mundo, neste mundo tão imenso, com base numa economia extremamente atrasada. Para Stálin, essa "operação de manutenção" sugerida por Lênin, que é definida em termos estritamente temporais como um modelo, foi terrível, pois causou conseqüências em outras direções, para outros partidos, para todos aqueles partidos que tentaram seguir a linha de Stálin. Se você admite com honestidade que o que você está fazendo é desenvolver uma sociedade numa base econômica extremamente primitiva e que há modelos mais avançados, isso é uma coisa. Se você, ao mesmo tempo, decreta que esse é o modelo para a transformação socialista, isso só vai causar grandes problemas. Acho que, quando consideramos esses problemas, eles precisam ser reexaminados historicamente. Infelizmente, a tendência dos partidos, no contexto em que operam, é ignorar a dimensão histórica e idealizar a si mesmos. Isso vale não apenas para o partido de Stálin, mas para muitos partidos do mundo todo, inclusive alguns que existem ainda hoje. Eu moro na Inglaterra, e os partidos que governam o país hoje se definem como "novos trabalhistas" e se idealizam exatamente como costuma acontecer com muita freqüência. Acho que, se falarmos seriamente sobre a retomada do programa para uma transformação socialista, e acho que devemos fazer isso, então essa idealização não-histórica precisa ser abandonada. No lugar dessa idealização não histórica, é preciso determinar modelos. Porque Stálin não foi o único a determinar modelos. O modelo imposto na Inglaterra hoje é o modelo do Terceiro Mundo, a terceira pista, o terceiro caminho. O terceiro caminho como modelo. Meu Deus! Parece uma piada de muito mau gosto. As alternativas são bastante dramáticas, então você decide que o modelo é seguir um terceiro caminho. Você não considera nem um nem outro, mas inventa um terceiro! Retornando à União Soviética, o problema foi que essa concepção idealizada de um modelo, o modelo stalinista, causou conseqüências terríveis para outros países, principalmente para a Alemanha, onde a linha stalinista significava que os adeptos da social-democracia tinham que ser denunciados como fascistas sociais. Os social-democratas - uma força socialista em potencial - ficaram contra o consumismo, e vice-versa. E Hitler se beneficiou muito disso. Eu poderia falar do que houve depois no Leste Europeu. Houve muitos problemas, porque foram impostos a essas sociedades esse modelos stalinistas, para os quais havia embasamento na realidade.
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