domingo, 27 de dezembro de 2009

Dona do Clarín pode ter adotado filha de desaparecidos

Uma decisão judicial sobre um caso que se arrasta há anos pode expor o caráter criminoso das relações entre mídia e ditadura na Argentina. A fundadora do movimento Avós da Praça de Maio, Chicha Mariani, suspeita que a filha de Ernestina Herrera de Noble, dona do grupo Clarín, seja, na verdade, sua neta, Clara Anahí, cujos pais foram seqüestrados por militares em sua casa, em novembro de 1976. A Câmara Federal de San martín determinou a realização imediata de exames de DNA. O relato é do jornal Página 12.


A Câmara Federal de San Martín mandou o juiz Conrado Bergesio realizar “de forma imediata e sem mais postergações” os exames de DNA dos filhos adotivos da dona do grupo Clarín, e “submeter (as amostras genéticas) às comparações necessárias” para conhecer sua identidade. Os juízes Hugo Gurruchaga e Alberto Criscuolo destacaram que Bergesio “se enreda em discussões que não levam a lugar algum” e, sete anos depois de ter herdado a causa, “não realiza a medida básica, essencial e impostergável” de cruzar os DNAs de Marcela e Felipe Noble com os das 22 famílias que buscam crianças desaparecidas antes de suas adoções. “A resolução nos permite recuperar a expectativa de que a causa seja resolvida e também acreditar que efetivamente existe o princípio de igualdade ante à lei”, disse Alan Iud, advogado das Avós da Praça de Maio, que pediu essa medida há um ano e meio. “É uma decisão muito clara e justa”, comemorou Estela de Carlotto, presidente do organismo.


Segundo o documento de adoção, no dia 13 de maio de 1976, Ernestina de Noble se apresentou diante da juíza Ofélia Hejt, de San Isidro, com um bebê a quem chamou Marcela. Ela disse que havia encontrado o bebê onze dias antes em uma caixa abandonada na porta de sua casa, em Lomas de San Isidro, e ofereceu como testemunhas uma vizinha e o caseiro da vizinha. Em 2001, Roberto Antonio Garcia, de 85 anos, declarou ao juiz Robertto Marquevich que nunca foi caseiro na casa em questão. Seu trabalho, durante quarenta anos, foi como chofer da família Noble. García disse ainda que Noble nunca viveu na casa declarada por Ernestina, dado que o juiz confirmou em registros oficiais. Tampouco a suposta vizinha vivia ali, segundo declarou sua neta e confirmou a polícia. As datas apresentadas pela dona do Clarín também se revelaram falsas.
O expediente de adoção de Felipe sustenta que a suposta mãe, Carmem Luisa Delta o apresentou à juíza Hejt, em 7 de julho de 1976. No mesmo dia, sem determinar as circunstâncias do nascimento, a juíza concedeu a segunda guarda a Noble. Mais tarde, o juiz Marquevich determinou que a senhora Delta nunca existiu. Segundo texto apresentado pelas Avós da Praça de Maio, em julho de 2008, o dado falso sobre a casa em San Isidro e outras informações incorretas foram “decisivas para determinar a competência do tribunal”. Hejt, já falecida, é a mesma juíza que, em abril de 1977 - sem procurar localizar os pais, apesar das evidências de que tinham sido seqüestrados – autorizou a adoção de Andrés La Blunda, de três meses, que acabou recuperando sua verdadeira identidade em 1984.


As irregularidades nas adoções levaram o juiz Marquevich a pedir a detenção de Ernestina de Noble, decisão esta que lhe custou o cargo após uma campanha desencadeada pelo jornal Clarín. Seu substituto, Conrado Bergesio, passou a conceder todas as medidas solicitadas pelos advogados da família Noble e bloqueou a obtenção de amostras de DNA por métodos alternativos à simples análise de sangue, pedido feito pelas Avós. Esse método já permitiu a identificação de nove filhos desaparecidos e foi reconhecido pelo Estado argentino. Com a decisão da Câmara Federal de San Martín, essas análises deverão ser realizadas imediatamente.


Reproduzido de Carta Maior

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