domingo, 25 de outubro de 2009

O suicídio de trabalhadores - PARTE II

IHU On-Line – O senhor afirma que, na nova organização do trabalho, o bancário é convidado a ser dono da própria carreira em nome do lucro. Como isso se manifesta?

Marcelo Finazzi – O estudo demonstrou que qualquer pessoa considerada normal está sujeita a passar pelo mesmo processo de perda do equilíbrio que os entrevistados passaram: trabalho vazio ou com pouco significado, cobranças intermináveis por resultados ou, de outra forma, ausência de trabalho, sujeitando o trabalhador à ociosidade, desqualificações sucessivas pelo pouco trabalho feito ou pela impossibilidade de cumprir o excesso de tarefas, relações sociais superficiais e chefias autoritárias. Por mais equilibrada que seja a pessoa, caso não se encontre soluções práticas para livrar-se das causas do sofrimento, seja por meio de uma remoção para outro setor na empresa, seja por meio da troca de emprego ou aposentadoria, a possibilidade de adoecimento é enorme. Alguns somatizam doenças físicas, outros desenvolvem transtornos mentais. De forma extrema, alguns entendem que a vida não merece ser vivida, optando pela radicalização por meio do suicídio.

A perda do equilíbrio se completa pela constatação de que o discurso reiteradamente veiculado nos informativos da organização, impregnados de mensagens de amor à empresa e empregados felizes, contrasta violentamente com a percepção de realidade do trabalhador. O mundo prático não é feito de afabilidades e, muito menos, da empresa da solicitude, que ampara paternalmente o empregado. O trabalhador, na nova organização do trabalho, é o dono de sua carreira, o único responsável pelos infortúnios que for acometido – afinal, se não estiver satisfeito, que se demita, pois há muitos lá fora querendo a vaga. Quando os entrevistados precisaram das empresas, não encontraram nenhum apoio efetivo. Paradoxalmente, entretanto, quando ingressaram foram submetidos a intenso processo de assimilação da cultura organizacional como se, a partir de então, fizessem parte de um clube de predestinados. No início, acreditam incondicionalmente no discurso, entregando-se de corpo e alma aos arbítrios das empresas. O choque com outra realidade – aquela que, além de não ser divulgada, é cuidadosamente encoberta – comuta o sentimento inicial de pertencimento em enganação. A dor moral do assédio se acentua, dessa forma, com a percepção literal de que algo está errado, que os discursos de alegria e felicidade irrestritas talvez estejam apenas no imaginário daqueles que os idealizaram.  

IHU On-Line – Na sua avaliação, e a partir dos seus estudos, qual é o fator mais determinante que leva o trabalhador à desestabilização e à perda da vontade de viver?

Marcelo Finazzi – Sem dúvida, a falta de reconhecimento pelo esforço despendido para a realização das tarefas. O trabalho é poderosa fonte de identidade e pertencimento social: o que os sujeitos esperam, no mínimo, é a valorização do que está sendo feito em prol dos objetivos organizacionais. O problema é que, em algumas ocasiões, o sujeito se dedica durante 10, 20, 30 anos, desenvolve laços afetivos com a empresa e, de repente, é convidado a se retirar ou é excluído compulsoriamente, como se toda a dedicação incondicional não tivesse valor algum.  

IHU On-Line – É possível traçar características comuns entre aqueles que tomaram essa atitude radical?

Marcelo Finazzi – Sim. Manifesto-me com base nos resultados do meu estudo. Primeiramente, os sujeitos buscaram, de todas as formas, soluções concretas para o alívio da dor. Com o tempo, porém, as oportunidades foram sendo eliminadas, uma a uma, restando poucas opções. Ao mesmo tempo, o processo de assédio – ou outra circunstância causadora do sofrimento – se intensificava na mesma proporção em que procuravam apoio institucional das empresas, que se mostravam incapazes de apresentar qualquer opção prática para resolver os conflitos. Aquela possibilidade antes tão remota, que é a vontade de morrer, começa a ganhar consistência e, na ausência de algo melhor, é a oportunidade que se apresenta para sair do “buraco negro” em que se encontram, dia após dia mais profundo. O apoio médico e psicoterápico adequado, aliado a ações efetivas das organizações para protegê-los dos assédios que vivenciavam, talvez fossem suficientes para que resgatassem a auto-estima e recobrassem a vontade de viver. O que eles precisavam era de um ambiente de trabalho salutar para o desempenho de suas funções com respeito e satisfação. Não era o simples afastamento para tratamento médico.

A psiquiatrização do problema transferiu para a seara médica problemas da organização do trabalho e de administração deficiente de pessoal. Era mais fácil medicá-los com antidepressivos e ansiolíticos do que corrigir estruturas gerenciais anacrônicas ou punir gerentes autoritários. O que eles não queriam era ficar em casa, recebendo os salários como esmola. É bem provável que o melhor tratamento era que continuassem trabalhando, com as mentes ocupadas e a sensação das tarefas bem desempenhadas. A morte foi a solução para se livrarem dos constrangimentos diários. É importante salientar que, antes das situações adversas do trabalho, suas condições psicológicas eram normais. Tinham problemas externos, como qualquer pessoa, mas os administravam sem maiores transtornos. Esse é o ponto crucial das histórias deles: o processo que desencadeou a ideação suicida, culminando na tentativa de morte, relacionou-se com as dificuldades relacionadas com o trabalho. Tinham insônia ou acordavam inexplicavelmente no meio da madrugada com pensamentos fixos no trabalho. As crises de choro se tornavam compulsivas pelo simples fato de deixarem suas casas em direção ao escritório. Durante o expediente, as crises também eram frequentes, perdurando noite a dentro. Os domingos eram de grande angústia, justamente porque haveria mais uma semana insuportável para ser vencida.


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