sábado, 24 de outubro de 2009

Especial em 4 Partes: O suicídio de trabalhadores

Estamos publicando uma entrevista sobre o suicídio de trabalhadores com o professor Marcelo Finazzi realizada pelo sítio do Instituto Humanitas, da Unisinos. 
O professor fala sobre os casos do Brasil e da França, objeto do seu estudo.

A cada dia, sempre às 11h da manhã,  estaremos publicando uma parte desta entrevista.
 
PARTE I 
 
O trabalho pode levar ao suicídio? Muitos suicidas na Ásia e na Europa usam como justificativa a pressão e o excesso para o fato de acabar com a própria vida. A prova disso, hoje, está nos 25 suicídios, só nos últimos 20 meses, ocorridos entre os funcionários da ex-estatal e hoje líder de mercado France Telecom. As cartas de despedida revelam o que vivem os funcionários da maior empresa de telecomunicações da França: "Eu me suicido por causa do meu trabalho na France Telecom. É a única causa.", escreveu em sua carta de despedida um engenheiro de 48 anos, casado e pai de três filhos. Outra funcionária, de 32 anos, escreveu ao pai, pouco antes de se jogar da janela do escritório: “O meu chefe não sabe, obviamente, mas serei a 23ª funcionária a se suicidar. Não aceito a nova reorganização do serviço. Vou mudar de chefe e, para passar por aquilo que eu vou passar, prefiro morrer. Deixo no escritório a bolsa com as chaves e o celular. Levo comigo a minha carta de doadora de órgãos, nunca se sabe. Não gostaria que você recebesse uma mensagem desse gênero, mas estou mais do que perdida. Quero-lhe bem, papai".

A IHU On-Line conversou com o professor Marcelo Finazzi, que pesquisa sofrimento no trabalho e estudos organizacionais críticos sobre o tema. Ele revela que entre os bancários, a incidência de patologias e suicídios tem um grande índice. “A relevância do setor bancário na economia nacional e a sofisticação dos métodos gerenciais dos bancos, os quais passam por reengenharias permanentes nos últimos 20 anos, constituiu-se em valiosa oportunidade para o estudo de como mudanças organizacionais bruscas podem interferir na subjetividade do trabalhador. O suicídio, que talvez seja o ato que melhor traduza o ápice do sofrimento”, apontou ele, que é bacharel e mestre em administração pela Universidade de Brasília. A entrevista foi feita por e-mail.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que o levou a pesquisar o suicídio motivado pelas condições de trabalho?

Marcelo Finazzi – Durante o início das pesquisas sobre sofrimento no trabalho, tomei contato com relevantes estudos sobre a incidência das mais variadas patologias entre bancários, inclusive algumas descrições gerais sobre uma onda de suicídios na década de 1990. Paralelamente, soube que a categoria era uma das quais possuía o melhor pacote de benefícios sociais. Essa aparente ambiguidade me intrigou e me senti instigado a aprofundar os estudos. A relevância do setor bancário na economia nacional e a sofisticação dos métodos gerenciais dos bancos, os quais passam por reengenharias permanentes nos últimos 20 anos, constituiu-se em valiosa oportunidade para o estudo de como mudanças organizacionais bruscas podem interferir na subjetividade do trabalhador. O suicídio, que talvez seja o ato que melhor traduza o ápice do sofrimento, apresentou-se naturalmente como o objeto para a compreensão das relações de trabalho contemporâneas. Para minha surpresa, após aprofundar as leituras, constatei que são raros os estudos que correlacionam organização do trabalho e suicídio.

IHU On-Line – Segundo seus estudos, a ideação suicida [vontade de tirar a própria vida] está associada às pressões no ambiente de trabalho. Que pressões são essas?

Marcelo Finazzi – Na verdade, o suicídio é um fenômeno altamente complexo que depende de inúmeras variáveis. O que fiz foi avaliar se fatores adversos relacionados à organização do trabalho poderia ser um fator – dentre muitos outros – capaz de contribuir para que o trabalhador desenvolvesse pensamentos suicidas e, em casos extremos, vir a cometê-lo. É importante salientar que a imensa maioria dos trabalhadores, quando submetidos ao sofrimento e se veem impossibilitados de superá-lo, costuma desenvolver reações menos radicais, como, por exemplo, transtornos musculoesqueléticos, mentais, estomacais, nervosos, cardíacos, reumáticos e dermatológicos. E quais são essas causas de sofrimento que contribuem para que os sujeitos desenvolvam tais reações?

Resumidamente, pressões infindáveis para o cumprimento de metas de produtividade, poucos trabalhadores para muitas tarefas, discrepância entre o trabalho prescrito e o real, condições ergonômicas inadequadas, trabalho fragmentado, além de questões outras que passam ao largo dos objetivos formais da organização, como lideranças narcisistas destrutivas – que são os responsáveis pelas violências do assédio e que agem em nome de seus interesses pessoais, mesmo que ao custo do terror e, paradoxalmente, do decréscimo da produtividade –, redes de poder, ciúmes, inveja, autoritarismo e perseguições gratuitas. Não podemos esquecer que o medo do desemprego ou de retaliações também abre uma brecha para o sofrimento, pois a capacidade de mobilização dos trabalhadores diminui e, assim, estes acabam aceitando condições laborais
mais penosas. Por fim, cabe ressaltar que as reengenharias organizacionais também costumam resultar em enorme sofrimento, pois quase sempre geram demissões, mais trabalho para os que mantêm o emprego e, não raro, desorganização completa da vida pessoal do sujeito.       

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