sábado, 12 de outubro de 2013

Célula clandestina em Cuba falava português


Um dos jovens revolucionários que aplaudiram a vitória de Fidel Castro, no final dos anos 1950, falava português e cresceu numa célula clandestina contra a ditadura de Fulgêncio Batista.

Filho de um português que fugiu nos anos 1940 ao regime salazarista, Ismael Mendes Baulet desde cedo se viu envolvido em política, já que a sua casa foi transformada em local de resistência à ditadura.
O pai, Adelino Mendes, antigo piloto marítimo, juntou-se à resistência e o filho cresceu entre propaganda comunista e esconderijos, em fuga da polícia do regime.
Agora, Ismael Mendes Baulet junta nos seus 67 anos de vida uma carreira na defesa do regime castrista. Engenheiro de avião e técnico de motor e fuselagem das Forças Armadas Revolucionárias de Cuba, combateu na crise dos mísseis de 1962 e, ainda agora, não se arrepende do país que ajudou a construir.
"A minha infância foi a de um menino pobre, num bairro obreiro, brincando, indo à escola pública porque os meus pais sempre se preocuparam com a nossa educação”, recorda.
No tempo de Batista, “éramos meninos e sabíamos tudo o que estava acontecendo, porque na minha casa haviam reuniões, o meu tio era funcionário de propaganda e agitação do Movimento 26 de Julho (liderado por Fidel Castro) e o meu pai e a minha mãe pertenciam a uma cédula clandestina".
"Tive uma infância muito pobre, não tinha brinquedos, uma que outra vez o meu pai ‘apertou as calças’ e conseguiu-me um carrinho ou uma bota de futebol. Éramos modestos, agora há muita gente que só pensa no consumo", salienta Ismael Mendes Baulet.
Quando era jovem, o lusodescendente recebeu "instrução militar" e participou mesmo naquele que foi um dos momentos de maior tensão militar durante a Guerra Fria.
“Estava na bateria antiaérea na Crise de Outubro (nome dado pelos cubanos à Crise dos Mísseis de Cuba de 1962) e disparávamos aos aviões americanos, que passavam rasantes e tiravam fotografias".
Casado com uma engenheira eléctrica, Ismael Mendes Baulet tem dois filhos, licenciados em engenharia hidráulica e economia, mas a quem sempre transmitiu os valores que aprendeu com o pai e com os castristas: "lutar a favor da humanidade e contra o que prejudique a classe que nos deu vida, nos viu nascer e criou".
"Esses princípios são os que o meu pai tinha e eu nunca o trairei", assegura o revolucionário, que se mostra crítico da posição dos Estados Unidos.
A América promove uma “política de rumores contra Cuba”, porque “não lhes convém que se divulgue a verdade do que acontece aqui", acusa.
Apesar disso, Ismael Mendes Baulet diz gostar muito de filmes americanos, principalmente ‘westerns’, e agradece à vizinha Venezuela "pelo cabo" que permite à população cubana o acesso à Internet.
Em Portugal, já esteve por duas ocasiões e já obteve a cidadania nacional, mas quanto ao futuro, esse é em Cuba.
O pai, nascido na Lousã, foi condecorado a título póstumo, em 1979, pela sua participação na Revolução cubana.
Mas foi em Portugal que os pais se conheceram. A sua mãe, uma cubana de origem francesa, era também militante do Partido Comunista Português. Os dois fugiram de Portugal nos anos 1940, depois de o pai ter participado numa insurreição a 08 de Setembro de 1936, promovida pela Organização Revolucionária da Armada, também conhecida como a “Revolta dos Marinheiros”.
O destino foi Cuba, devido às raízes da progenitora. Mas, à chegada, confrontaram-se com um regime ainda mais violento que o salazarismo, pelo que a opção pela resistência foi “natural”, explica Ismael Mendes Baulet.
"Os nossos pais inculcaram-nos muito o amor a Portugal e a Cuba, nunca puseram de lado nem a parte cubana nem a portuguesa e obrigavam-nos a falar em português" em casa, diz Ismael.
Agora, com a passagem dos anos, Ismael Mendes Baulet já "fala pouco mas entende muito bem" o português.