quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Barack Obama e o império infante


Excelente texto escrito por Rodrigo de Almeida, editorialista e colunista do Jornal do Brasil.



Os Estados Unidos foram estabelecidos como um “império infante”. Não foi Chávez ou Chomsky quem disse, mas George Washington. A conquista do território nacional deu-se como uma grande empreitada imperial, e desse alicerce sedimentado pelos "founding fathers" os EUA não escaparam.
Os Estados Unidos foram estabelecidos como um “império infante”. Não foi Chávez ou Chomsky quem disse, mas George Washington. A conquista do território nacional deu-se como uma grande empreitada imperial, e desse alicerce sedimentado pelos "founding fathers" os EUA não escaparam.

Nada como a combinação entre simbolismo e desejo (ou ingenuidade). Inibe a aceitação dos limites da mudança ou, no outro extremo, conduz à pressa na convicção de que se está diante de uma nova rota de fato. Tome-se o exemplo do presidente dos EUA, Barack Obama, e seus contraditórios movimentos retóricos e militares. De um lado, o chamamento à paz nas Nações Unidas. A defesa da não proliferação das armas nucleares até sua paulatina eliminação. A proibição das torturas contra prisioneiros em Guantánamo. O afrouxamento da retórica belicista, mesmo contra o Irã de Mahmoud Ahmadinejad. De outro, a conclamação ao combate ao terrorismo. A ênfase sobre o Afeganistão. A extensão de bases iraquianas. O acordo secreto com a Colômbia.

Esses dois cursos díspares ajudam a apontar o risco da projeção de expectativas exacerbadas sobre modificações de espetaculares consequências para o resto do mundo. Obama marca diferenças, é fato, em relação ao antecessor, mas nem nos EUA (nem no Brasil) presidentes fazem o que bem entendem. A política costuma ser bem mais racional e responsável do que supõem as torcidas passionais. Em matéria militar, no caso americano, isso é ainda mais cristalino. Nenhum presidente, mesmo o mais imperial, romperia de uma penada o apoio militar à Colômbia, tampouco abandonaria a defesa da tese das “fronteiras flexíveis”.

Há poucas semanas, o linguista Noam Chomsky escreveu um artigo no New York Times sobre a militarização da América Latina. Não só contabilizou as sete bases navais, aéreas e do Exército americano na Colômbia como mostrou a presença geral dos EUA na América Latina: as bases militares em Guantánamo (a mais conhecida), Honduras, El Salvador, Manta (Equador) e Aruba-Curaçao. São eixos do presente herdados de uma década de aumento da ajuda militar e de treinamento de oficiais latino-americanos, em táticas leves de infantaria para combater um “populismo radical” – conceito que, no contexto latino-americano, “provoca arrepios na espinha”, segundo Chomsky. “O treinamento militar está sendo transferido do Departamento de Estado para o Pentágono, eliminando regras quanto aos direitos humanos e a democracia antes sob a supervisão do Congresso que, embora fracas, pelo menos impediam algumas das piores violações”.

Além de apontar o narcoterrorismo na América Latina como a justificativa do que chama de uma “profunda mentalidade imperial”, Chomsky identifica outro movimento negativo: o alinhamento a objetivos mais amplos, que passam pelo Iraque e pelo Afeganistão. No primeiro, “a informação é praticamente nula sobre o destino das imensas bases militares norte-americanas que existem no país”. O custo da imensa embaixada, do tamanho de uma cidade, dentro de Bagdá, acaba de subir de US$ 1,5 bilhão para US$ 1,8 bilhão. Mais: o governo Obama também está construindo megaembaixadas no Paquistão e no Afeganistão, e EUA e Reino Unido estão pedindo que a base militar em Diego Garcia (a maior ilha do território britânico do Oceano Índico) fique de fora da planejada zona livre de armas nucleares africana – assim como as bases dos EUA estão fora dos limites de zonas similares no Pacífico.

Expectativas que estejam movidas por desejo ou ingenuidade tendem a ignorar o fato de que os EUA foram estabelecidos como um “império infante”. Não foi Chávez ou Chomsky quem disse, mas George Washington. A conquista do território nacional deu-se como uma grande empreitada imperial, e desse alicerce sedimentado pelos founding fathers os EUA não escaparam. A questão é a força dos símbolos e a gradação das mudanças, dirão os entusiastas de Obama. Refutá-los seria brejeirice. O problema não é reconhecimento de que mudanças são, de fato, gradativas, mas a ilusão das expectativas excessivas (vide o debate nacional do primeiro mandato do presidente Lula, em que a esquerda histórica jogou a toalha contra a suposta submissão lulista na condução dos assuntos nacionais).

Ok, abaixo o niilismo, mas manter os olhos críticos ajuda a lembrar que, nos oito anos da administração de Bill Clinton – transformado na figura emblemática da vitória da democracia, do mercado e da paz –, os EUA se envolveram em 48 intervenções militares, contra 16 em toda a Guerra Fria. (Números de The new american militarism, do estrategista militar Andrew J. Bacevich – US$ 15 na Amazon). Dispensável lembrar que governos democratas progressistas patrocinaram o desastre da invasão de Cuba e a guerra do Vietnã. Os tempos são outros, a jornada Obama mal começou, os falcões continuarão à espreita, e o mundo, inquieto, continuará dividido. Entre simbolismos, desejos e realidade.

Um comentário:

  1. E a piada agora é: Obama acaba de ganhar o Nobel da Paz...
    É mole?
    Combate ao terrorismo e busca pela paz não se fazem mantendo a fome no mundo, o armamento nuclear e a política imperialista. E não me interessa o papinho que o Obama joga na ONU, que já se mostrou um mero fantoche das falácias dos países ricos em manter a pobreza no mundo.
    Acreditar que o Obama representa uma mudança de fato na política imperialista e militar estdunidense é acreditar em Papai Noel; mudança se faz é na estrutura, e não na eleição de um candidato negro, simplesmente. Elejamos então, da próxima vez, uma negra, lésbica, de origem operária, e vejamos se isso determinará sua política. Política se faz para além do discurso e da origem social/étnica/sexo biológico/orientação sexual...
    O Obama é, no máximo, uma aspirina para o mundo. Deixará as coisas menos feias, diminuirá um pouco a dor de cabeça dos países que sofrem com a falta de noção do imperialismo estadunidense. Mas no fim das contas, só camuflará o problema, até que ele estoure e seja uma doença incurável.
    E aí, quando as bombas super-poderosas estourarem, eu quero ver que sonda espacial que salvará a espécie humana.

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